domingo, 13 de julho de 2014

O Som e a Fúria

   Já vimos em postagens anteriores alguns dados sobre a biografia de William Faulkner, indiscutivelmente um dos maiores autores de todos os tempos. Ele se interessou particularmente pelo declínio do Sul dos Estados Unidos da América após a Guerra Civil. Muitos dos seus romances exploram a deterioração da aristocracia do Sul após a destruição dos seu estilo de vida com esta guerra e após a Reconstrução. Faulkner popularizou Yoknapatawpha, o seu condado fictício em alguns romances, com o esqueleto de velhas mansões e com os fantasmas de grandes homens, patriarcas e generais do passado cujas famílias aristocráticas falharam em suceder e manter suas grandezas históricas. Sob a sombra da grandeza do passado, estas famílias tentam se apegar a valores antigos e tradicionais do Sul, a códigos e mitos que estão corrompidos e fora de lugar na realidade do mundo moderno. As famílias nos romances de Faulkner estão cheias de filhos que falharam, filhas desonradas e ressentimentos fumegantes entre brancos e negros no rescaldo da escravidão afro-americana.
   Primeiramente publicado em 1929, O Som e a Fúria (The Sound and the Fury) é reconhecido como um dos romances americanos de maior sucesso inovativo e experimental do seu tempo, sem mencionar que é um dos romances de interpretação mais desafiadora. O livro contempla a ruína dos Compson, que foram uma família proeminente em Jefferson, Mississippi, desde antes da Guerra Civil. Faulkner representa a experiência humana ao retratar eventos e imagens subjetivas, através de memórias de infância de diferentes personagens. O estilo do romance em fluxo de consciência é frequentemente muito opaco, na medida em que os eventos são frequentemente obscurecidos e narrados fora de ordem. A despeito de sua complexidade formidável, O Som e a Fúria é um romance avassalador e profundamente comovente, além de ser geralmente considerado o mais importante e notável trabalho literário do autor.

William Faulkner
   É difícil tentar descrever a trama de forma tradicional e linear, pois o livro não é apresentado assim. Num nível básico, o romance trata das obsessões dos três irmãos Compson pela irmã Caddy, mas vamos tentar representar pelo menos a superfície do que contém a estória. Contada em quatro capítulos, por quatro diferentes vozes, e fora da ordem cronológica, O Som e a Fúria requer intensa concentração e paciência para a interpretação e compreensão mais fidedignos. Os três primeiros capítulos consistem de pensamentos distorcidos, vozes e memórias dos três irmãos, capturados em três dias diferentes. Os irmãos são Benjy, um retardado de trinta e três anos de idade, falando em abril de 1928, Quentin, um jovem estudante de Harvard, falando em junho de 1910, e Jason, um trabalhador de suprimentos para fazenda amargurado, falando, novamente, em abril de 1928. O quarto capítulo é na própria voz narrativa do autor, mas mantém um foco em Dilsey, a ama negra da casa da família, devota a esta, que desempenhou um grande papel no crescimento das crianças. Faulkner aproveita as memórias que os irmãos têm da irmã, Caddy, usando um momento simbólico único para prever o declínio da, uma vez proeminente, família Compson e para examinar a deterioração da aristocracia do Sul desde a Guerra Civil.
   Os Compson são uma das muitas famílias proeminentes na cidade de Jefferson, Mississippi. Os seus antecessores ajudaram a desenvolver instalações na área e subsequentemente a defenderam durante a Guerra Civil. Desde a guerra, a família viu, gradativamente, suas riquezas, terras e status desmoronarem. O Sr. Compson é um alcoólatra. A Sra. Compson é uma hipocondríaca que dependeu quase completamente de Dilsey para criar seus quatro filhos. Quentin, o filho mais velho, é um sensível cheio de neuroses. Caddy é teimosa, mas amorosa e compassiva. Jason tem sido difícil e mesquinho desde que nasceu e é amplamente rejeitado pelas outras crianças. Benjy é um idiota, mentalmente retardado, e não compreende os conceitos de tempo e moralidade. Na ausência da ensimesmada Sra. Compson, Caddy serve como uma figura materna e símbolo de afeição para Benjy e Quentin. Na medida em que as crianças crescem, entretanto, Caddy começa a ter um comportamento promíscuo, o que atormenta Quentin e deixa Benjy em ataques de gemido e choro. Quentin está se preparando para ir para Harvard, e o Sr. Compson vende uma grande porção de terra da família para que aquele possa estudar naquela universidade. Caddy perde a virgindade e engravida. Ela não consegue ou não deseja nomear o pai da criança, embora talvez seja Dalton Ames, um garoto da cidade. A gravidez de Caddy deixa Quentin emocionalmente despedaçado. Ele tenta falsamente assumir a responsabilidade pela gravidez, mentindo para o seu pai e dizendo que ele e Caddy cometeram incesto. O pai é indiferente à promiscuidade da filha, descartando a estória de Quentin e mandando o seu filho ir mais cedo para o nordeste.


   Tentando encobrir suas indiscrições, Caddy rapidamente se casa com Herbert Head, um banqueiro que ela conheceu em Indiana. Herbert promete a Jason Compson um emprego em seu banco. Herbert se divorcia imediatamente de Caddy e rescinde o contrato de Jason quando descobre que sua esposa está grávida de outro homem. Enquanto isto, Quentin, ainda atolado em desespero sobre o pecado de Caddy, comete suicídio se afogando num rio pouco antes do final do primeiro ano em Harvard. Os Compson renegam Caddy da família, mas acabam adotando a sua filha, a Srta. Quentin. A tarefa de cuidar dela recai diretamente sobre os ombros de Dilsey. O Sr. Compson morre por complicações relacionadas ao alcoolismo cerca de um ano após o suicídio de Quentin. Como o filho mais velho dos restantes, Jason se torna o chefe da família. Amargamente empregado em um trabalho servil numa loja de suprimentos para fazenda, Jason inventa um esquema engenhoso para roubar o dinheiro que Caddy envia para o sustento da Srta. Quentin. Esta cresce e, na adolescência, torna-se uma garota infeliz, rebelde e promíscua, constantemente em conflito com seu tio Jason, arrogante e cruel. No domingo de Páscoa de 1928, a Srta. Quentin rouba milhares de dólares de Jason e foge com um homem que trabalhava com um grupo itinerante. Enquanto Jason persegue a Srta. Quentin sem sucesso, Dilsey leva Benjy e o resto da família para a cerimônia de Páscoa numa igreja local.
   O título do livro, O Som e a Fúria, se refere a um trecho de Macbeth, de William Shakespeare. Macbeth, um general e nobre escocês, fica sabendo do suicídio de sua esposa e sente que sua vida está desmoronando no caos. Em adição ao título do livro de Faulkner, podem ser percebidos muitos importantes motivos do romance no trecho do Ato V, Cena V do livro do bardo inglês.

Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow                          O amanhã, o amanhã, outro amanhã,
Creeps in this petty pace from day to day                          Dia a dia se escoam de mansinho,
To the last syllable of recorded time,                                 Até que chegue, alfim, a última sílaba
And all our yesterdays have lighted fools                          Do livro da memória. Nossos ontens
The way to dusty death. Out, out, brief candle.                 Para os tolos a estrada deixam clara
Life’s but a walking shadow, a poor player                       Da empoeirada morte. Fora! Apaga-te,
That struts and frets his hour upon the stage,                    Candeia transitória! A vida é apenas
And then is heard no more. It is a tale                               Uma sombra ambulante, um pobre cômico
Told by an idiot, full of sound and fury,                            Que se empavona e agita por uma hora
Signifying nothing.                                                            No palco, sem que seja, após, ouvido;

                                                                                           É uma história contada por idiotas, 
                                                                                           Cheia de fúria e muita barulheira, 
                                                                                           Que nada significa.
                                                                                                 (tradução de Carlos Alberto Nunes)


   O Som e a Fúria literalmente começa com uma 'história contada por um idiota', já que o primeiro capítulo é narrado por um Benjy retardado. As preocupações centrais do romance envolvem o tempo, e isto também se observa no monólogo inicial do trecho apresentado acima - no fim do trecho, percebe-se um lamento de que a vida não significa nada. Além disto, Quentin é assolado por uma sensação de que a família Compson se desintegrou a uma mera sombra das suas grandezas do passado. No monólogo, Macbeth implica que a vida não é mais do que uma sobra do passado, e que um homem moderno, como ele, está inadequadamente equipado e é incapaz de conseguir qualquer coisa próxima da grandeza do passado. Faulkner reinterpreta esta ideia, implicando que se um homem não tirar a sua própria vida, como Quentin o faz, as únicas alternativas são se tornar cínico e materialista, como Jason, ou um idiota, como Benjy, incapaz de ver a vida como algo mais que uma série de imagens, sons e memórias sem significado.
   Teceremos alguns comentários sobre os personagens mais importantes. O Sr Jason Compson III é alguém bem conceituado, mas muito cínico e distante. Ele se dedica a uma filosofia de determinismo e fatalismo - ele acredita que a vida é essencialmente sem significado e que pouco ele pode fazer para mudar os eventos que acontecem à sua família. A despeito de seu cinismo, entretanto, ele mantém noções de cavalheirismo e honra familiar, o que Quentin acaba herdando. O Sr Compson arrisca a situação financeira da família em troca de um potencial prestígio de ter um filho estudando em Harvard, e ele conta estórias que promovem uma obsessão quase fanática com relação ao nome da família por parte de Quentin. Embora ele inspire em seu filho o conceito de honra da família, o Sr Compson não está preocupado com isto na prática. Ele age de forma indiferente a Quentin com relação à gravidez de Caddy, dizendo a ele, Quentin, que aceite isto porque se trata de uma deficiência natural da mulher. Esta indiferença irrita Quentin sobremaneira, que se envergonha pelo desrespeito de seu pai com relação aos ideais tradicionais de honra e virtude do Sul dos EUA. O Sr Compson descarta as preocupações de Quentin com relação a Caddy e diz ao seu filho para não levar as coisas muito a sério, o que inicia a rápida queda de Quentin em direção à depressão e ao suicídio. O Sr Compson morre por complicações relacionadas ao álcool pouco depois deste evento.
   A Sra. Caroline Compson é uma personagem negligente e desrespeitosa, o que contribui diretamente para a queda da família. Constantemente perdida em uma névoa egocêntrica de hipocondria e autopiedade, ela é ausente como figura materna para seus filhos e não tem senso das necessidades destes. Ela chega a tratar Benjy, o deficiente mental, de forma cruel e egoísta. Ela tolamente esbanja todo o seu amor e atenção sobre Jason, o único filho incapaz de retribuir estes. A egocentricidade da Sra Compson inclui uma insegurança neurótica com relação ao seu sobrenome Bascomb, família esta cuja honra é prejudicada pelo comportamento adúltero de seu irmão, Maury. Caroline finalmente toma a decisão de mudar o nome de seu filho mais novo de Maury para Benjamin por causa da insegurança com relação à reputação de sua família.


   Candace Compson, a Caddy, é, talvez, a figura mais importante no romance, já que representa o objeto de obsessão de todos os três irmãos. Enquanto criança, Caddy é algo teimosa, mas muito amorosa e afetuosa. Ela acaba se encaixando como uma figura materna para Quentin e Benjy no lugar da egocêntrica Sra. Compson. A turvação de suas roupas íntimas na correnteza enquanto garota antecipa sua promiscuidade mais adiante na vida. Além disto, pressagia e simboliza a vergonha que sua conduta traz para a família Compson. Caddy realmente sente algum grau de culpa com relação à sua promiscuidade, porque ela sabe que isto muito irrita Benjy. Por outro lado, ela não parece compreender o desespero de Quentin com relação a este seu jeito. Ela rejeita o código moral sulista que definiu a história de sua família e que preocupa a mente de Quentin. Diferente deste, que é incapaz de escapar do mundo trágico da família Compson, Caddy consegue construir a própria fuga. Embora ela seja repudiada, nós sentimos que esta rejeição lhe permite escapar de um ambiente a que ela não pertence de fato.
   Um gemente e mudo idiota, Benjy é totalmente dependente de Caddy, sua única fonte real de afeição. Ele não pode compreender qualquer conceito abstrato: tempo, causa e efeito, certo e errado - ele simplesmente absorve sinais auditivos e visuais do mundo ao seu redor. A despeito de sua total inabilidade para compreender ou interpretar o mundo, entretanto, Benjy tem, de fato, uma sensibilidade aguda para a ordem e o caos, e ele pode sentir imediatamente a presença de qualquer coisa má, errada ou fora do lugar. Ele é capaz de sentir o suicídio de Quentin milhares de milhas distante em Harvard, além de sentir a promiscuidade e perda da virgindade de Caddy. Sob a luz desta habilidade, Benjy é um dos poucos personagens que verdadeiramente notam o declínio progressivo da família Compson. Entretanto, sua deficiência o deixa incapaz de formular qualquer resposta que não seja gemer e chorar. A impotência de Benjy, bem como a impotência de todos os outros homens da família Compson, é simbolizada por sua castração durante a adolescência e encarnada nesta.
   O mais velho dos filhos, Quentin sente uma carga excessiva de responsabilidade para viver de acordo com a grandeza e o prestígio de sua família no passado. Ele é um jovem muito inteligente e sensível, mas se sente paralisado pela obsessão por Caddy e por uma preocupação com um código de moral e conduta tradicional dos sulistas. Este código define a ordem e o caos dentro do mundo de Quentin, e isto o leva a idealizar conceitos abstratos e nebulosos de honra, virtude e mesmo pureza feminina. Esta crença estrita no código causa a ele grande desespero quando descobre a promiscuidade de Caddy. Procurando ter o pai, o Sr Compson, como guia e orientador, Quentin se sente ainda pior quando descobre que o pai não liga para o código sulista ou para a vergonha que a postura de Caddy trouxe para a família. Quando Quentin percebe que sua irmã e seu pai não ligam para o código moral e de honra que dá ordem e significado para a vida dele, ele é conduzido ao desânimo e acaba se suicidando. O código sulista que Quentin procura seguir também faz com que ele não seja um homem pragmático. Esta conduta o deixa cegamente devoto a conceitos abstratos que o impedem de agir de forma assertiva e efetiva. Ele é cheio de ideias vagas, como o pacto de suicídio com Caddy ou o desejo de vingança contra Dalton Ames, mas suas ideias são sempre inespecíficas e, inevitavelmente, acabam ou sendo rejeitadas por outros ou executadas de forma ineficaz. O foco de Quentin em ideias mais do que em ações o torna um narrador altamente incerto, de modo que geralmente é difícil dizer quais das ações que ele descreveu realmente ocorreram ou não passaram de fantasia.


   Com relação a Jason Compson IV, seu legado, desde a tenra infância, é de malícia e ódio. Ele permanece distante das outras crianças. Como seus irmãos, Jason tem fixação por Caddy, mas esta fixação é baseada em amargura e um desejo de trazer problemas a ela. Ironicamente, o Jason sem afeto é o único filho que recebe afeição da mãe. Jason não tem capacidade para aceitar, aproveitar e retribuir este amor, e acaba manipulando este amor para roubar dinheiro da Srta. Quentin pelas costas da Sra. Compson. Ele rejeita não somente o amor familiar, mas também o amor romântico. Ele detesta todas as mulheres de forma fervorosa e assim não consegue se relacionar ou casar e ter filhos. A única satisfação romântica enquanto adulto é adquirida com uma prostituta de Memphis. Diferente de Quentin, que é obcecado com o passado, Jason pensa somente no presente e no futuro imediato. Ele tenta constantemente mudar as circunstâncias ao seu favor, quase sempre às expensas de outros. Jason é muito esperto e calculista, mas ele nunca usa estes talentos com o espírito de benevolência e generosidade. Embora ele claramente deseje ganho pessoal, não apresenta objetivos ou aspirações maiores. Ele rouba e acumula dinheiro em um cofre mas sem um propósito em particular, somente por egoísmo. No todo, Jason é extremamente motivado mas completamente sem ambição. A falta de realização dele tem origem primariamente em sua implacável autopiedade. Ele nunca perdoa Caddy pela perda do emprego no banco de Herbert, e é incapaz de superar este evento e conquistar qualquer objetivo válido em sua vida posterior. Ironicamente, Jason se torna o chefe da família Compson após a morte de seu pai - uma indicação do quão fundo a família, outrora grande, conseguiu chegar.
   A Srta. Quentin é o único membro da família a chegar à nova geração. Muitos paralelos surgem entre ela e sua mãe, mas as duas diferem em aspectos importantes. A Srta. Quentin repete a promiscuidade sexual de sua mãe cedo na vida, mas, diferente de Caddy, ela não se sente culpada pelo seus atos. Da mesma forma, a Srta. Quentin cresce em um mundo pior e mais confinado em relação a sua mãe, além de ser constante alvo da crueldade dominadora de seu tio Jason. Não surpreendentemente, vemos que a Srta. Quentin não é tão amorosa ou compassiva como sua mãe. Ela também é mais mundana e teimosa do que Caddy. Entretanto, o sucesso em recuperar o seu dinheiro, roubado por seu tio, e sua fuga da família, implicam que seu mundanismo e ausência de escrúpulos, valores muito modernos, na verdade trabalham em seu benefício.
   Dilsey é a única fonte de estabilidade no seio da família Compson. Ela é o único personagem destacado o suficiente da queda dos Compson para testemunhar tanto o capítulo inicial como o final da história da família. De forma interessante, Dilsey vive a sua vida baseada no mesmo conjunto de valores fundamentais - família, fé, honra pessoal, entre outros - sob os quais a grandeza original dos Compson foi construída. Entretanto, ela não se permite que o egocentrismo corrompa seus valore ou o seu espírito. Ela é muito paciente e altruísta: ela cozinha, limpa e cuida dos filhos dos Compson na ausência da Sra. Compson, ao mesmo tempo em que cria seus próprios filhos e netos. Dilsey parece ser a única pessoa no meio da família Compson realmente preocupada com o bem estar e o caráter das crianças, e ela trata todas estas com amor e justiça, até mesmo Benjy. O foco do último capítulo do romance em Dilsey implica uma esperança de renovação depois que as tragédias aconteceram. Sentimos que ela é a nova 'portadora da tocha' do legado dos Compson, representando a única esperança na ressurreição dos valores do velho Sul de uma forma pura e não corrompida.


   Vamos lá! Com relação aos temas, alguns merecem grande destaque. Um deles é a corrupção dos valores aristocráticos do sul norte-americano. A primeira metade do século XIX viu o surgimento de um número considerável de famílias proeminentes como os Compson. Estas famílias aristocráticas criaram valores sulistas que viraram tradição. Esperava-se que os homens agissem como cavalheiros, demonstrando coragem, poder moral, perseverança e cavalheirismo também na defesa da honra do nome de suas famílias. Esperava-se das mulheres serem modelos de pureza feminina, graça e virgindade até que chegasse o momento em que elas deveriam ter filhos que viessem a herdar o legado da família. Fé em Deus e profunda preocupação pela preservação da reputação da família foram capazes de promover as bases para estas crenças. A Guerra Civil e a Reconstrução devastaram muitas destas famílias, uma vez grandes economicamente, socialmente e psicologicamente. Faulkner acredita que, neste processo, os Compson, e outras famílias similares do Sul, perderam o contato com a realidade ao seu redor e se perderam na névoa do egocentrismo. Esta auto-absorção corrompeu o conjunto de valores fundamentais destas famílias, deixando as novas gerações completamente desestruturadas para lidar com as realidades do mundo moderno. Nós vemos essa corrupção 'correndo solta' na família Compson. O Sr. Compson tem uma noção vaga de honra familiar - algo que ele passa para Quentin - mas está atolado no seu alcoolismo e mantém uma crença fatalista de que ele não pode controlar os eventos que acontecem à sua família. A Sra. Compson é, da mesma forma, auto-absorvida, vivendo na hipocondria e autopiedade e permanecendo distante emocionalmente de suas crianças. A obsessão de Quentin pela moralidade do velho Sul o deixa paralisado e incapaz de deixar no passado os pecados de sua família. Caddy pisoteia a noção de pureza feminina dos sulistas e vive em promiscuidade, e o mesmo caminho segue a sua filha. Jason gasta sua esperteza em autopiedade e ganância, esforçando-se constantemente para ganho pessoal mas sem aspirações maiores. Benjy não comete nenhum pecado real, mas o declínio dos Compson é fisicamente manifestado através de seu retardo e de sua inabilidade para diferenciar a moralidade da imoralidade. A corrupção dos valores sulistas por parte dos Compson resulta em um completo desprovimento de amor, a força que uma vez manteve a família unida. Ambos os pais são distantes e ineficazes. Caddy, a única criança que demonstra habilidade para amar, acaba sendo repudiada. Embora Quentin ame Caddy, seu amor é neurótico, obsessivo e superprotecionista. Nenhum dos homens vivencia qualquer amor romântico verdadeiro, e, assim, eles são incapazes de se casar e continuar o nome da família. Na conclusão do romance, Dilsey é o único membro amável da casa, o único personagem que mantém seus valores sem a influência corruptora do egocentrismo. Ela, assim, vem representar uma esperança para a renovação dos valores tradicionais do Sul de uma forma positiva e sem corrupção. O romance termina com Dilsey sendo a centralizadora destes valores, e, desta forma, a única esperança para a preservação do legado dos Compson. Faulkner implica que o problema não são os valores do Sul propriamente ditos, mas o fato de estes valores terem sido corrompidos por famílias como os Compson, e que estes devem ser recuperados para que qualquer grandeza sulista possa retornar.


   Outro tema é o da ressurreição e renovação. Três das quatro seções do romance acontecem na Páscoa de 1928. O posicionamento do clímax do romance neste fim de semana é significativo, já que este é associado à crucificação de Cristo na Sexta da Paixão e à sua ressurreição no Domingo de Páscoa. Um grupo de eventos simbólicos pode ser associado à morte de Cristo: a morte de Quentin, a morte do Sr. Compson, a perda da virgindade de Caddy ou mesmo o declínio da família Compson de um modo geral. Alguns críticos caracterizam Benjy como uma figura do Cristo, já que ele nasceu num Sábado de Aleluia e tem, no momento em que a estória se passa, trinta e três anos, a mesma idade do Cristo quando da crucificação. Interpretar Benjy como uma representação do Cristo tem uma variedade de implicações possíveis: Benjy pode representar a impotência do Cristo no mundo moderno e a necessidade do surgimento de uma nova figura do Cristo. Alternativamente, Faulkner pode estar querendo dizer que o mundo moderno falhou em reconhecer o Cristo em seu próprio meio. Assim, embora o fim de semana pascoal esteja associado com a morte, ele também traz a esperança da renovação e da ressurreição. Embora a família Compson tenha falhado, Dilsey representa uma fonte de esperança. Dilsey é, de alguma forma, uma figura do Cristo. Um paralelo literal pode ser feito entre a vida de Dilsey e o sofrimento servil descrito na Bíblia, já que ela serviu sua longa vida a serviço da família Compson, que se encontra em desintegração. Ela tolerou constantemente a autopiedade da Sra. Compson, a crueldade de Jason e a incapacidade frustrante de Benjy. Enquanto os Compson desmoronam ao seu redor, Dilsey emerge como a única personagem que ressuscitou com sucesso os valores que os Compson há muito já abandonaram - trabalho duro, perseverança, amor familiar e fé religiosa.
   Um último tema é a falha da linguagem e da narrativa. Faulkner admitiu que jamais conseguiria transmitir de forma satisfatória a estória de O Som e a Fúria através de uma voz narrativa única. Sua decisão de usar quatro diferentes narradores destaca a subjetividade de cada narrativa e lança dúvida na habilidade da linguagem em transmitir a verdade ou o significado absoluto. Benjy, Quentin e Jason têm visões muito diferentes da tragédia dos Compson, mas nenhuma das perspectivas parece mais válida do que a outra. À medida em que cada novo ângulo emerge, mais detalhes e questionamentos surgem. Até mesmo a seção final, com seu narrador em terceira pessoa, onisciente, não amarra todas as pontas soltas da estória. Em entrevistas, Faulkner lamentava a imperfeição da versão final do romance, o que ele denominou de sua 'mais esplêndida falha'. Mesmo com quatro narradores provendo as profundezas de quatro diferentes perspectivas, Faulkner acreditava que sua linguagem e narrativa ainda soavam aquém do desejado. (Percebe-se claramente a humildade de um gigante!)
   Com relação aos motivos, discutiremos três deles. Um primeiro seria o tempo. O tratamento e a representação do tempo por Faulkner neste romance foram aclamados como revolucionários. O autor sugere que o tempo não é uma entidade constante ou objetivamente compreensível, e os humanos podem interagir com ele de várias formas. Benjy não tem nenhuma conceito do tempo e não pode distinguir entre o passado e o presente. Sua incapacidade faz com que ele desenhe conexões entre o passado e o presente que os outros possam não visualizar, e o permite escapar das obsessões dos outros Compson com relação à grandeza passada do nome da família. Quentin, em contraste, está preso pelo tempo, incapaz e sem vontade de ir além de suas memórias do passado. Ele tenta escapar da armadilha do tempo quebrando seu relógio, mas o tique-taque deste continua a assombrá-lo mais tarde, e ele não enxerga outra solução que não o suicídio. Diferente de seu irmão Quentin, Jason não vê nenhum uso do passado. Ele mantém o foco completamente no presente e futuro imediato. Para Jason, o tempo existe apenas para ganho pessoal e não pode ser desperdiçado. Dilsey é, talvez, a única personagem em paz com o tempo. Ao contrário dos Compson, que tentam escapar do tempo ou manipulá-lo em vantagem própria, Dilsey entende que a vida dela é uma pequena lasca na faixa sem limite do tempo e da história.
   Outro motivo interessante é o da ordem e caos. Cada um dos irmãos Compson compreende a ordem e o caos de uma forma diferente. Benjy constrói a ordem ao redor do padrão das memórias da família em sua mente e se torna irritado quando ele vivencia alguma coisa que não se encaixa neste padrão. Quentin se apega ao seu código idealizado do Sul para prover a ordem. Jason ordena tudo em seu mundo baseado no potencial do ganho pessoal, tentando mudar todas as circunstâncias para sua própria vantagem. Todos estes três sistemas falham na medida em que a família Compson mergulha no caos. Somente Dilsey tem um forte senso de ordem. Ela mantém seus valores, persevera a despeito da queda tumultuosa dos Compson e é a única que permanece intacta no final.
   Um último motivo são as sombras. Visualizada primariamente nas seções de Benjy e de Quentin, as sombras implicam que o estado presente da família Compson é meramente uma sombra de sua grandeza do passado. As sombras servem como uma sutil lembrança da passagem do tempo à medida em que lentamente se deslocam com o sol ao longo do curso do dia. Quentin é particularmente sensível às sombras, uma sugestão de sua consciência aguda de que o nome Compson é meramente uma sombra do que outrora fora.


   Por fim, teceremos alguns comentários sobre dois símbolos no romance. O primeiro deles é a água. Esta simboliza a limpeza e a pureza ao longo do livro, especialmente em relação a Caddy. Brincando na correnteza como uma criança, Caddy parece resumir a pureza e a inocência. Entretanto, ela suja suas roupas íntimas, o que antecipa a promiscuidade que irá fazer parte de sua conduta mais adiante. Benjy se irrita quando cheira o perfume de Caddy pela primeira vez. Ainda uma virgem neste ponto, Caddy se lava e tira o perfume, simbolicamente se livrando de seu pecado. Da mesma forma ela lava sua boca com sabão depois que Benjy pega ela no balanço com Charlie. Uma vez que Caddy perde sua virgindade, ela sabe que nenhum montante de água poderá limpar suas impurezas.
   Outro símbolo é o relógio de Quentin. Este fora um presente de seu pai, que espera que isto alivie o sentimento de que Quentin deve dedicar tanta atenção a olhar o tempo ele mesmo. Quentin é incapaz de escapar de sua preocupação com o tempo, com ou sem o relógio. Porque o relógio uma vez pertenceu ao Sr. Compson, ele lembra constantemente Quentin das heranças gloriosas que sua família considera tão importante. O tique-taque incessante do relógio simboliza a constante e inexorável passagem do tempo. Quentin inutilmente tenta escapar do tempo quebrando o relógio, mas ele continua o seu tique-taque, assolando-o mesmo depois que ele deixa o relógio pra trás no seu quarto.
   Obra inovadora, original, altamente imponente do ponto de vista literário, e, sem dúvida, um dos romances mais importantes da história da Literatura Universal. Com personagens marcantes, simbolismo esplêndido e referências muito bem aplicadas, é uma verdadeira obra-prima. O que aqui se colocou é muito pouco diante de tudo o que se pode discutir acerca deste livro; e não são poucos os estudos que insistem em surgir em muitas universidades norte-americanas e mesmo discussões de intelectuais e apreciadores da boa literatura. Ao concluir a leitura da obra e mergulhar em análises as mais diversas, enxergo que a releitura é obrigatória, e, certamente, a experiência nesta será revigorante e engrandecedora. Não são todos os livros que geram esta sensação. Questiono-me como se cria algo tão magistral como o que se vê nas linhas deste livro; concluo que, para isto, talvez sejam necessários cinco requisitos: 1. humildade, 2. amor incondicional pelas letras, 3. conhecimento profundo de outros grandes autores, 4. muito trabalho e 5. compreensão de que o papel da Literatura enquanto Arte em nossas vidas é essencial. Eis, em O Som e a Fúria, um exemplo cabal de tudo isto. Obra eterna! Transcende o espírito! Obrigado, Faulkner, onde quer que você esteja! A realidade não é, se não, uma busca incessante da graça, do transcendente, de um sentido, e acredito fielmente que poucos seres deste mundo sejam capazes de nos presentear com leituras tão vívidas desta busca. Uma boa semana a todos!

sábado, 5 de julho de 2014

A Culpa é das Estrelas

   Sempre buscando, incansavelmente, o sentido de todas as coisas em nossa existência, é coerente, de minha parte, analisar esta obra do autor John Green. O que não é coerente, entretanto, é que este livro seja colocado no mesmo nível de todos os outros já analisados neste blog. Infelizmente não está num nível que, no futuro, o consideraríamos uma obra clássica, que representou um tempo, um momento histórico, que introduziu novas técnicas, que foi original em sua ideia ou, acima de tudo, no modo como se contou a sua estória. Este romance merece esta postagem porque, no meu coração, busco discutir tudo o que está relacionado ao sentido de nossa vida, e este livro tem temas que envolvem isto, embora sejam temas já debatidos além da conta, portanto muito pouco originais. Mas deve ser colocado no lugar que lhe é de direito diante dos grandes; os autores marcantes e dignos de nosso apreço são aqueles que eternizam suas obras porque sabem contar de forma original boas estórias, mas os autores realmente eternos, que estão ainda mais acima, são aqueles que conseguem universalizar realidades ao seu redor EM TODA A SUA OBRA, e não em apenas um livro. É assim que conhecemos mais da vida dos grandes autores, porque ao ler vários dos livros de sua obra, vemos temas que se repetem, que representam a realidade ao seu redor, e eles conseguem nos sensibilizar com esta realidade porque percebemos que o que ali se coloca é universal; todas as peças de William Shakespeare, por exemplo, são assim.
   Um problema que vejo logo que analiso o contexto do livro objeto de discussão desta postagem é que há uma espécie de sensação de que estamos lidando com um autor popstar. Ora, conhecemos um autor desta categoria quando percebemos que, logo que tem um livro que desponta, ele (juntamente com sua editora, obviamente) aproveita o ensejo e coloca todos os outros livros de sua criação para que sejam relançados e traduzidos, e aí vemos quatro, cinco ou mais livros do mesmo autor como se tivessem acabado de ser lançados, quando, de fato, isto não é a verdade: a ideia é puramente monetária. Outro problema quando se vangloria um livro como este é que, infelizmente, hoje em dia, muitos preferem tratar a Literatura como passatempo, e não como arte; ora, para se ler este livro, basta que você saiba ler, não precisa tentar compreender nada porque tudo é muito evidente, muito linear, o interlocutor é aquele indivíduo passivo, bastante diferente dos leitores que se engajam em grandes obras clássicas. Os grandes autores são lembrados por causa dos grandes personagens e da forma original com que colocam as estórias, e os leitores, em sendo indivíduos ativos, buscam o sentido das entrelinhas ou trabalham junto com a leitura para compreender o que se está ali sendo contado; assim, o grande autor e o seu leitor se completam na obra: tem-se a Literatura como verdadeira expressão da arte. E não digo aqui que somente os autores clássicos merecem apreço; na verdade, existem pelo menos três contemporâneos de que me recordo neste momento que possuem obras muito mais representativas da Literatura enquanto arte do que o livro em pauta. Por exemplo, bons autores do nosso tempo são: Carlos Ruiz Zafón (obras cabais como A Sombra do Vento e Marina, por exemplo, representam muito da realidade da Barcelona natal do autor), o médico e escritor Khaled Hosseini (não preciso lembrar da perfeição que é O Caçador de Pipas e da própria realidade do autor universalizada na obra, tocando-nos ao mostrar de forma nostálgica o valor da amizade) e Markus Zusak (percebe-se claramente a originalidade na forma como se conta A Menina que Roubava Livros). 

Carlos Ruiz Zafón

 
Markus Zusak

Khaled Hosseini
   
   Não quero, com tudo isto, dizer que A Culpa é das Estrelas não é um bom livro e que não mereça ser reconhecido ou amplamente vendido; ele é um bom livro, mas porque tem-se uma estória que, independente de quem a tivesse escrito e publicado, teria grande chance de sucesso pelo simples fato de apresentar temas que comovem. Deve-se atentar para o fato de que, no caso do livro, o mérito não é tanto do autor, mas de todo um sistema de marketing em cima do livro e do principal público: os adolescentes. Indiscutivelmente, entra no contexto de ser um livro 'da moda'. O problema é quando se percebe que ele foi muito mais vendido do que todos os livros de Machados de Assis, William Faulkner, Dostoiévski e Shakespeare neste ano até o momento. Isto mostra bem o interesse da maioria das pessoas na Literatura atualmente: passatempo. Tudo o que é suave, atrai; tudo o que é mais complexo, que exige um pouco mais de quem lê, afasta. Mas, como tudo o que é sagrado e que é só seu, sendo capaz de te fazer feliz, e bem mais feliz que muita coisa que está em pauta ou ao seu redor, gostaria de deixar claro que me realizo muito mais com todos os outros livros analisados neste blog. Feito este preâmbulo, e pondo um fim a comparações, até porque não é esta a ideia deste blog, teceremos alguns comentários sobre um livro que tem feito bastante sucesso pelo mundo. As discussões para a vida foram as nuances que mais me atraíram e me inspiraram a escrever as palavras que colocarei a seguir.
   Inicialmente, tentarei escrever um pouco sobre o autor. John Green nasceu em 1977, em Indianápolis, Indiana, nos Estados Unidos da América. Desenvolveu estudos religiosos e em língua inglesa e tinha intenção de seguir a carreira eclesiástica. Antes de iniciar em definitivo os seus estudos episcopais universitários, serviu como capelão estudante num hospital para crianças local, onde trabalhou com pacientes jovens e terminais. Esta experiência definiu o rumo que tomaria sua vida profissional, e ele desistiu de seguir o caminho eclesiástico e focalizou suas ambições em se tornar um escritor de ficção. Tão longe quanto as convenções inerentes a ser um escritor de ficção podem ir, Green não é, certamente, o estereótipo do autor recluso. Pelo contrário, ele conquistou um grupo de adolescentes no mundo digital através de seu papel de vlogger, sendo seus fãs conhecidos como Nerdfighters. Um dos atributos destes fãs mais emblemáticos é o desejo de 'increase awesome and decrease suck' (o que poderia ser traduzido parcialmente como aumentar o que é extraordinário e diminuir o que seria o contrário disto), e isto possibilita a arrecadação de algumas centenas de milhares de dólares para combater a pobreza, desenvolver o mundo e plantar milhares de árvores ao redor do planeta, funcionando de forma parecida com o que executa algumas ONGs pelos mundo. Green verdadeiramente prosperou na Internet de uma forma pouco comum para a maioria dos romancistas. O seu video blog é uma empresa que ele iniciou com seu irmão, Hank; quando combinados, os irmãos se transformam nos Vlogbrothers, uma dupla peculiar, bem humorada e inteligente. Ambos ganharam notoriedade em 2007 quando decidiram não escrever e somente manter as atualizações em vídeo no canal deles no YouTube como uma forma de manter o discurso. Entretanto, acabaram retomando a escrita, mas ainda mantém o canal com vídeos semanais, e estes, entre outras coisas, defendem a luta pelo 'intelectualismo'. Considerando que os Vlogbrothers possuem mais de um milhão de assinantes, é lícito dizer que os irmãos têm um nicho considerável de 'aspirantes a intelectuais' pela Internet.

John Green
   O livro A Culpa é das Estrelas (The Fault in Our Stars) acabou surgindo da experiência de Green em trabalhar com jovens pacientes em condição terminal e de seus encontros com seus fãs virtuais, especialmente um deles. Muito do crédito do livro é dado à sua amizade com Esther Earl, a garota de quem ele ficou próximo e para quem ele dedicou o livro. Segundo o autor, Esther era uma Nerdfighter que morreu vítima de câncer em 2010. Ele se aproximou bastante dela, de seus amigos e de sua família nos momentos que antecederam sua morte. Esther nunca chegou a ler o livro na sua forma publicada, mas Green admite que sem a existência dela, o livro não teria a forma que acabou tendo. Enquanto sendo rápido em admitir que A Culpa é das Estrelas é uma obra de ficção, e que há muitas diferenças entre a protagonista do romance, Hazel Grace Lancaster, e Esther Earl, ele admite que há algumas semelhanças entre ambas. De acordo com o autor, a maior contribuição de Esther para o romance foi a de que ele realmente gostava dela e ficou bastante triste e com raiva quando ela morreu. Para ele, escrever este livro foi uma forma de trabalhar suas próprias tristeza e raiva envolvidos na perda de um amigo próximo e adorado, e que o ensinou muito das verdades, horrores e clichês que são parte da convivência com o câncer.
   Na trama, Hazel Grace Lancaster, uma garota de dezessete anos, relutantemente vai a um grupo de apoio a pacientes com câncer terminal numa igreja (o Sagrado Coração de Cristo). Por causa de seu câncer, ela usa um cilindro de oxigênio portátil para ajudá-la a respirar mais confortavelmente. Numa das reuniões no grupo de apoio, ela encontra um garoto adolescente e, ao longo da reunião, descobre que o nome do garoto é Augustus Waters. Ele vai ao encontro para ajudar o seu amigo, Isaac, que teve um tumor em um dos olhos, já tendo perdido um destes, e que está prestes a perder a visão por completo porque precisará se submeter à retirada do outro olho, também acometido pelo câncer. Após a reunião, Augustus Waters se aproxima de Hazel e diz que ela se parece com Natalie Portman em V for Vendetta (V de Vingança). Ele convida Hazel para ir à casa dele para assistir ao filme, e enquanto se dirigem para o caminho, os dois discutem a experiência com o câncer. Hazel revela que teve um câncer de tireóide que acabou se disseminando e comprometendo os pulmões. Augustus teve osteossarcoma, mas está há mais de um ano sem câncer após ter amputado uma das pernas. Durante o encontro, eles concordam que um deve ler o romance favorito do outro. Augustus dá a Hazel o seu: O Preço do Alvorecer, e Hazel recomenda o seu - Uma Aflição Imperial.


   Hazel comenta sobre a magnificência que é Uma Aflição Imperial: é um romance sobre uma garotinha de nome Anna que tem câncer, e é a única representação sobre câncer que se parece com a realidade que a própria Hazel vivencia. Após ambos terem lido os romances um do outro, ela explica como Uma Aflição Imperial termina incrivelmente de repente, no meio de uma frase, negando ao leitor os desfechos de cada personagem. Ela comenta acerca do misterioso autor do romance, Peter Van Houten, que foi morar em Amsterdã, na Holanda, após a publicação do livro e nunca mais ninguém ouviu falar nele. Uma semana depois, Hazel e Augustus discutem o significado literário de Uma Aflição Imperial; Augustus revela que ele, milagrosamente, conseguiu rastrear o autor e descobre o email de sua assistente, Lidewij, e acaba se correspondendo com Peter. Ele compartilha a carta com Hazel, e ela acaba criando uma lista com uma série de questões para enviar para Peter, esperando ter respostas sobre as conclusões ambíguas do romance. A principal preocupação de Hazel é sobre o destino da mãe de Anna. Ela acaba tentando descobrir, por analogia, que, se a mãe de Anna sobrevive à morte da filha, então os pais dela mesma, Hazel, poderão ficar bem após a morte desta. Peter acaba respondendo, mas afirmando somente poder responder aos questionamentos de Hazel pessoalmente; por fim, acaba a convidando para o encontrar se alguma vez ela viajar para Amsterdã. Pouco tempo depois, Augustus convida Hazel para um piquenique. Percebe-se que ele preparou uma espécie de piquenique no estilo holandês, e ele acaba revelando que uma fundação de caridade que garante a realização de desejos de jovens com câncer (os Gênios) concordaram em levá-los a Amsterdã para encontrar Peter. Ela está emocionada, e, ao tocar o rosto de Augustus, ela hesita por algum motivo; ao longo do tempo, ela percebe que gosta dele bastante, mas sabe que o magoará bastante quando ela morrer. Ela se compara a uma granada.
   No meio de seu conflito sobre o que fazer com relação a Augustus, Hazel sofre um episódio grave de descompensação do seu quadro, e seus pulmões voltam a se encher de líquido, e ela acaba ficando internada numa UTI. Quando ela sai do hospital após alguns dias, ela descobre que Augustus esteve sempre na sala de espera daquele hospital. Ele entrega a Hazel outra carta de Peter, esta mais pessoal e crítica que a anterior. Após ler a carta, Hazel fica mais determinada do que nunca a visitá-lo em Amsterdã. Mas há um problema: seus pais referem não ter dinheiro para a viagem e os seus médicos decidem, em junta, que ela não está bem o suficiente para enfrentar esta jornada. A situação parece sem esperança, até que uma das médicas mais próximas a Hazel, a Dra. Maria, convence seus colegas da junta e os pais de Hazel de que ela deve viajar porque precisa viver a vida dela.
   Hazel, Gus e a mãe de Hazel viajam para Amsterdã, mas quando o casal encontra Peter eles descobrem que, em vez de um gênio prolífico, ele é um alcoólatra estúpido que afirma não poder responder a nenhuma das perguntas de Hazel. O casal sai da casa de Peter bastante decepcionado; Lidewij, a assistente do autor, que se sente horrorizada pelo comportamento de Peter, convida o casal para conhecer a casa de Anne Frank. Ao final do passeio por este lugar, Gus e Hazel se beijam romanticamente, sendo aplaudidos pela plateia ao redor. Eles se dirigem de volta para o hotel, onde acabam fazendo amor pela primeira e única vez. No dia seguinte, Gus confessa que enquanto Hazel esteve internada na UTI ele acabou descobrindo que o câncer dele havia retornado e se espalhado para todo lugar. Eles retornam para Indianápolis e Hazel percebe que Gus é, agora, a granada. Na medida em que sua condição se deteriora, ele se comporta cada vez menos com o seu charme e confiança típicos. Ele se torna vulnerável e apavorado, mas é ainda um garoto bonito na mente de Hazel. Enquanto estas mudanças ocorrem, ela prefere chamá-lo somente de Gus, e não mais Augustus, da mesma forma que os pais dele fazem. Hazel descobre que está apaixonada por ele agora mais do que nunca esteve. A condição de Gus se deteriora rapidamente. Nos seus últimos dias, ele organiza um pré-funeral para si mesmo, e Isaac e Hazel comparecem e fazem seus elogios. Hazel cita um trecho do livro do Peter sobre os infinitos poderem ser diferentes, e uns serem maiores do que outros. Ela diz o quanto ama Gus, e que jamais trocaria o pouco tempo que passaram juntos por nada no mundo. Augustus morre oito dias depois. Hazel fica surpresa ao encontrar Peter no funeral. Este explica que ele e Gus mantiveram correspondência e que este pediu àquele que, para se redimir do modo como se comportara em Amsterdã, deveria comparecer ao funeral para ver Hazel. Peter, de forma abstrata, revela o destino da mãe de Anna, mas Hazel não mais está interessada. Poucos dias depois, Isaac conta para Hazel que Augustus estava escrevendo alguma coisa para ela. Ele tinha dado a entender que escreveria uma conclusão para Uma Aflição Imperial em homenagem a Hazel, e enquanto ela tenta descobrir onde esta continuação pode estar escrita ela encontra Peter novamente. Ele, sob efeito de álcool, revela que Anna era o nome de sua filha, morta por câncer aos oito anos, e que Uma Aflição Imperial era sua tentativa literária de se reconciliar com sua morte. Hazel pede pra Peter ficar sóbrio e escrever outro livro.
   Hazel acaba descobrindo que Augustus mandou as páginas escritas para Peter porque queria que este as usasse para compor um elogio bem escrito para ela. Lidewij obriga Peter a ler as páginas e as envia imediatamente para Hazel. O romance termina com Hazel lendo as palavras de Augustus. Ele diz que se machucar neste mundo é inevitável, mas nós temos que escolher quem nós permitimos que nos machuque, e que ele está feliz com a escolha dele. Ele espera que ela goste da escolha dele também. As palavras finais do romance vêm de Hazel, que diz; 'Eu aceito'.
   Tentemos analisar os personagens mais importantes na trama. É facilmente perceptível que Hazel Grace Lancaster não é a adolescente típica de Indianápolis. Ela é, em termos de consciência, velha pra sua idade biológica, o que se torna óbvio no contraste feito dela com sua amiga Kaitlyn - Hazel é muito mais analítica que esta. Uma das características que mais definem Hazel é que ela quer pisar suavemente este mundo. Ela deseja desesperadamente mitigar os danos causados pela existência na Terra. Como encara de forma tão diferente de Augustus a vida, ao longo do romance os adolescentes são capazes de aprender muito um com o outro. A jornada transcendente de Hazel ao longo do romance é verdadeiramente multifacetada. Fisicamente falando, testemunhamos ela cada vez mais fraca - isto é evidente, por exemplo, no fato de ela usar as escadas quando no grupo de apoio na igreja no começo do romance e, mais ao final, usar o elevador, já que sua condição física se deteriorou. O aspecto mais sutil da jornada dela envolve sua compreensão espiritual e filosófica da morte. No começo do livro, ela tem um medo obsessivo com relação ao impacto que sua morte causará nos que estão ao redor dela - ela teme se aproximar de qualquer um porque sabe que sua morte, que não está distante, irá ferir qualquer um próximo a ela. Isto a faz se sentir uma 'granada', como ela mesmo se define. E este medo parece ter maior conotação em relação à sua mãe; quando esteve uma vez na UTI, ela ouviu sua mãe dizer que não mais seria mãe quando Hazel morresse, e esta lembrança persistiu nela. Este medo, assim, é o que motiva a missão dela em descobrir o que acontece com os personagens do livro Uma Aflição Imperial após o final. Ela tem necessidade de saber que a mãe de Anna, personagem do livro, ficou bem após a morte desta, de modo que, assim, acreditaria que seus próprios pais ficariam bem após a morte dela. Ao longo do relacionamento com Augustus, no entanto, Hazel acaba mudando suas convicções; quando o câncer dele reaparece, ela reconhece que, dos dois, ele, agora, é a 'granada'. Mas, mesmo assim, ela não se arrepende de ter se apaixonado por ele, mesmo sabendo que isto a ferirá imensamente quando ele morrer. Pelo contrário, ela se sente bastante agradecida pelo tempo que ambos passaram juntos; as palavras finais do romance indicam a extensão a que cresceu Hazel espiritualmente ao longo de sua jornada. A implicação das palavras 'Eu aceito' é a de um casamento que acontece através da memória. Embora o casamento seja simbólico, ele não deixa de ser verdadeiro. Ao dizer 'Eu aceito', ela quer dizer que se lembrará dele e o amará enquanto ela viver, e, neste sentido, aprendeu que a morte não é o fim onipresente que ela uma vez considerou que fosse. Nossos relacionamentos continuam, mesmo que nós não continuemos.

Hazel Grace Lancaster
   Quanto a Augustus 'Gus' Waters, de várias maneiras, ele realiza a própria existência. Isto explica porque existem duas versões do seu personagem dentro do romance. A primeira forma que encontramos é uma fachada chamada de Augustus Waters; nomeado, muito grandiosamente, após o primeiro imperador romano, ele é um garoto forte, confiante, engraçado e charmoso. Ele fetichiza continuamente sua própria grandiosidade. Ele está convencido de que a importância da vida é ser heroico, deixando um legado nobre, monumentalmente impactando a humanidade. Esta versão de Augustus se embaralha em monólogos calculados no parque. Ele planeja de forma calculista o piquenique à holandesa, até o último detalhe, somente para surtir efeito como palco para sua performance. Ele se ilude por metáforas vistosas de sua própria criação, como quando ele se sacrifica num jogo de video game ao pular sobre uma granada com a intenção de salvar crianças. Quando seu câncer reaparece, entretanto, toda esta performance esvaece. O que resta é Gus, um adolescente em Indianápolis que costumava ser uma estrela no esporte e agora se encontra morrendo por câncer. Gus é o garoto que seus pais sempre enxergaram. De fato, Hazel somente descobre que o apelido dele é Gus porque é o modo como os pais dele o chamam. Mas Hazel não o ama menos por ser Gus; muito pelo contrário: ela passa a chamá-lo de Gus, em vez de Augustus, somente após estarem bastante íntimos um do outro, uma vez que ela passa a conhecer todos os aspectos dele, e não somente a versão de performances que ela conhece primeiramente. Ela enxerga, por baixo dos gestos românticos e da grandiosidade teatralizada, um Gus doce, carinhoso, cuidador e, compreensivelmente, aterrorizado. E mais: é o amor dele por Hazel que ensina ao Augustus que está tudo bem em ser o Gus. Enquanto se deteriora fisicamente, ele é forçado a enfrentar o fato de que morrerá sem ter realizado nenhum grande feito para a maioria da humanidade, e uma profunda transição espiritual acontece. Por causa de Hazel, ele percebe que não realizar algo extraordinário não é o mesmo que ser insignificante. Ao longo do romance, o verdadeiro Gus se revela através de um dos gestos mais emblemáticos da sua contraparte Augustiniana: o ato de colocar um cigarro entre seus dentes e não acendê-lo. A metáfora do cigarro, como falaremos mais adiante, serve como uma ligação entre as duas identidades; isto porque o cigarro revela o oposto do que ele deveria projetar: Augustus quer que o cigarro represente seu controle sobre a coisa que poderia matá-lo, mas na verdade é um instrumento a que ele recorre quando se sente mais vulnerável, mais como Gus. Ele agarra o cigarro em momentos de incerteza, como quando ele encontra Hazel pela primeira vez ou dentro do avião, quando sente medo de voar.

Augustus 'Gus' Waters
   Um último personagem que é válido analisar é Peter Van Houten. Em um romance que é de alguma forma estruturado em metafísica, com o livro Uma Aflição Imperial desempenhando um papel principal na ficção que estamos lendo, Peter é o principal representante disto. Como tal, ele revela o poder mágico da ficção enquanto, simultaneamente, desmistificando o romance atribuído à sua autoria. Na maior parte do romance, Hazel considera Peter um verdadeiro deus, ou, no mínimo, um poderoso profeta. Uma Aflição Imperial é a bíblia pessoal de Hazel. Este livro dialoga com ela sobre doença terminal de um modo que nenhuma pessoa ou grupo de apoio em nenhum momento conseguiu. O ato de ler o romance de Peter é tão incrivelmente pessoal para Hazel que ela erroneamente confunde a magia do livro com a grandeza do autor; entretanto, quando ela encontra Peter pela primeira vez, a sensação de magia desaparece. Ela o vê como o bêbado desleixado e mesquinho que ele, muitas vezes, aparenta ser. Ela descobre que o autor não é nada mais que um ser humano, com qualidades, defeitos e problemas. Peter usa muitas máscaras ao longo do romance. Um dos seus principais papeis é descrever a variedade de maneiras que as pessoas lidam com a dor. Quando descobrimos que Uma Aflição Imperial, na verdade, é uma ficção sobre a vida da filha do autor, Anna, que morreu por câncer aos oito anos, passamos a vê-lo de uma forma mais simpática. Ele é a versão trágica real da mãe fictícia de Anna no romance dele. Isto o torna a encarnação viva do maior medo de Hazel: que seus pais ficarão tão perturbados pela sua morte que não conseguirão seguir adiante.

Peter Van Houten
   Muitos são os temas encontrados no livro. Um deles é a necessidade do sofrimento; não surpreendentemente para um romance sobre adolescentes morrendo por câncer, o sofrimento é uma parte proeminente das vidas dos personagens. Os fluidos nos pulmões de Hazel deprivam o oxigênio de que ela necessita para respirar, além de deixá-la com dor excruciante que a faz procurar a emergência do hospital. Isaac tem que se contentar em perder o olho que lhe resta, e isto o leva à cegueira e faz com que sua namorada termine o namoro. Augustus se deteriora fisicamente a ponto de necessitar de medicamentos analgésicos tão potentes que o leva à quase incoerência de pensamentos, e ele também sofre por saber que nunca irá cumprir nenhuma das coisas heroicas que ele desejava em vida. Aos olhos de todos os personagens do romance, especificamente Hazel e Augustus, todos estes tipos de dor são simplesmente uma parte da vida, como um efeito colateral de se estar vivo, como Hazel coloca em um determinado momento do livro. Isto não significa que este sofrimento é desejável, apenas que ele é inevitável. Mas a dor mais significativamente temática no romance é aquela causada pela morte de uma pessoa amada, e é esta a forma de dor que o livro sugere ser a mais necessária. Hazel se preocupa muito em infligir este tipo de sofrimento àqueles que estão ao seu redor após a morte dela, e isto a faz se sentir como uma 'granada', explodindo e machucando todos os próximos. Entretanto, é este o tipo de dor que ela passa a sentir, na verdade, quando Augustus começa a ficar fraco e finalmente sucumbir ao câncer. O que Hazel acaba percebendo é que este tipo de dor não pode ser evitada. Desde que a morte é certa e universal, todas as pessoas irão experimentá-la; mas, como Hazel acaba constatando ao longo do livro, não é necessariamente algo que as pessoas deveriam evitar. Ela não trocaria o amor que ela sente por Augustus por mais nada neste mundo, mesmo que este amor seja a causa exata de sua dor. É uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. A razão, como Augustus sugere em sua carta para Peter que Hazel lê ao final do romance, é que a dor que se causa a outras pessoas quando se morre é uma marca de que aquele indivíduo foi importante. Augustus diz, alegremente, que deixou sua marca ('cicatriz') em Hazel, significando que ele a feriu, mas que ele também teve um efeito na vida dela que ela irá carregar para sempre. Este tipo de dor, o livro sugere, é necessária, e, na verdade, parte da graça (graça, aqui, no sentido espiritual). Hazel expõe essa ideia no seu elogio para Augustus. A primeira coisa que ela diz às pessoas que se reúnem no velório de Augustus é que há um dizer pendurado na casa dele que sempre deu, aos dois, conforto: 'Sem dor, não poderíamos reconhecer o prazer.'


   Outro tema evidente é o medo do esquecimento. Os personagens principais do romance são forçados a confrontar a morte de uma forma que os jovens saudáveis não o são. Embora saibamos que todos irão, um dia, morrer, o imediatismo da morte para os pacientes terminais significa que estes não podem evitar considerar o que vem após a morte, e a possibilidade de que tudo o que espera por eles é o esquecimento. É um medo muito presente em Hazel e Augustus, tanto que é a primeira coisa que eles compartilham na primeira reunião do Grupo de Apoio. Augustus, em resposta à pergunta de Patrick sobre os medos, responde rapidamente que o medo dele é do esquecimento, e Hazel, que raramente fala nas reuniões, reflete e responde imediatamente. Ela destaca que todas as pessoas irão morrer um dia, o que significa que tudo o que a humanidade construiu poderia ter sido para nada, e também que da mesma forma que houve um tempo antes de os organismos terem alguma consciência, haverá um tempo após também. Ela conclui que se o pensamento é preocupante para alguém, este deveria apenas ignorá-lo, mas o tom com que ela coloca estas sentenças implica em que é algo que não pode ser ignorado, pelo menos não para sempre. Este tema persiste ao longo do romance. É ele que motiva o desejo de Augustus de realizar alguma ação heroica antes de morrer e validar sua significância. Ele teme que, se não fizer algo dramático e que viva nas mentes das pessoas depois que ele se for, ele não terá tido nenhuma importância. Sua significância, como sua consciência, irá simplesmente ser consumida pelo esquecimento após seu falecimento. Para Hazel, o medo do esquecimento afeta de uma forma diferente. Ela tem necessidade de saber que aqueles próximos a ela, e suas relações com eles, irá continuar após a morte dela. O pensamento acerca do que ela ouviu sua mãe falar enquanto esteve na UTI fica aprisionado na sua memória; esta é a forma como se encaixa o medo do esquecimento em Hazel, e é também o motivo de ela desejar saber de forma tão incessante sobre o que acontece aos personagens de Uma Aflição Imperial após a morte da protagonista Anna. Quando Peter diz a ela que os personagens simplesmente deixam de existir após o fim do romance, ela diz para ele que é impossível não imaginar um futuro para eles. O que ela claramente quer dizer é que ela precisa acreditar que seus próprios pais irão seguir em frente após a morte dela, e é por isto que ela fica tão aliviada quando, mais adiante, descobre que sua mãe está cursando serviço social a distância. O que o romance sugere em última análise é que a morte de uma pessoa não consigna sua significância e relações com o esquecimento, e que o que dá importância a nossas vidas são as relações que formamos. Como Augustus aprende, sua importância não é definida pelo fato de sua vida ser temporária, porque sua importância para aqueles que estão ao seu redor irá continuar. Ele deixa sua marca em Hazel, como ele diz na carta que ela lê no final do romance. Hazel, por uma via diferente, descobre o mesmo. Sua mãe continuará a ser sua mãe; nada, nem mesmo a morte da protagonista, poderá mudar isto.
   Um outro tema que se depreende do texto é o da insensibilidade do universo. Ao longo do romance, pode ser percebido um refrão que se repete mais e mais: o mundo não é uma fábrica de realização de desejos. Em outras palavras, aquilo que desejamos que seja verdade frequentemente não o é, e a realidade pode ser bem diferente das nossas fantasias. Vários exemplos são bastante claros no livro: a namorada de Isaac, Monica, termina o relacionamento com ele pouco antes de ele ter o seu olho restante removido, e a despeito da esperança, ele nunca mais recebe uma palavra sequer dela; Augustus acaba percebendo que ele jamais irá realizar algum feito extraordinário digno de algo realmente heroico; Hazel sabe que seus pulmões não irão melhorar, e que sua morte não está longe de acontecer; Peter não é o gênio aberto, carinhoso e cuidadoso que Hazel espera, mas um bêbado malicioso e pernicioso. A história que Augustus conta de seu professor escolar, o senhor Martinez, resume bem este tema: enquanto voando de volta de Amsterdã, Augustus diz a Hazel que algumas vezes sonhou em morar numa nuvem, pensando que seria como uma máquina inflável, como caminhar na lua; mas ele aprendeu da aula com o senhor Martinez que, àquela altitude, o vento sopra muito rápido, a temperatura é bastante negativa e não há oxigênio suficiente para que uma pessoa sobreviva. O professor, ele conta a Hazel, ficou marcado em Augustus por ser um assassino de sonhos. Este tema envolve muito do assunto do romance: adolescentes morrendo por câncer sem motivo justificável. Hazel e Peter acabam dizendo algumas vezes que o câncer é apenas um efeito colateral de um processo evolutivo; não é nada pessoal, e não guarda nenhum sentimento específico contra a pessoa a quem está matando. Esta indiferença é a razão porque Augustus não vê nenhum heroísmo em morrer vítima da doença. O câncer está apenas tentando sobreviver, e, de fato, não é um parasita que vive dissociado do homem: é feito das próprias células de Augustus. Esta completa insensibilidade é algo contra o que Hazel luta bastante. Após a morte de Augustus, ela pensa no comentário que o pai dela fizera antes no romance de que o universo apenas quer ser notado, e ela reverte a frase, afirmando que o que nós queremos é sermos notados pelo universo. O problema, como ela mesma coloca, é a 'falta de sentido depravada nestas coisas'. O que o pensamento dela sugere é que algumas coisas que acontecem às pessoas, como desenvolver câncer, ocorre de forma aleatória, não com uma intenção maliciosa, e também não há qualquer propósito especial nisto. Nós queremos que o universo nos note, mas ele simplesmente não tem 'consciência' deste nosso desejo. Interessantemente, o título do livro é consonante com esta ideia. Na verdade, vem do texto da peça A Tragédia de Julio César, do gigante e eterno Shakespeare; nela, Cassius diz: 'Os homens, algumas vezes, são senhores dos seus destinos: / A culpa, caro Brutus, não está em nossas estrelas / Mas em nós mesmos'. A palavra estrelas aqui se refere a destino. Hazel aplica estas linhas para a sua própria condição e conclui o oposto: a culpa por ela estar morrendo por câncer não é dela em si, mas do seu destino. Puxa, uma ideia original, pena que não é do autor do livro; todos sabem que, procurando um título para o seu livro, John Green solicitou sugestões aos seus seguidores do vlog - foi um fã que sugeriu o título baseando-se nessa ideia, e o autor adorou a sugestão.


   Ainda, percebe-se que paira na estória as realidades do câncer terminal. A Culpa é das Estrelas brinca com os clichês e com as convenções sociais infundadas, especialmente em relação aos jovens com câncer e o lidar com a morte. O romance procura minimizar a ideia popular de que combater o câncer é um ato nobre, heroico e gratificante, e o faz mostrando as realidades da doença. Não há nada particularmente nobre em Hazel ao lutar para conseguir respirar e saber que sua morte irá ferir outras pessoas, ou algo heroico para Augustus em ter tido uma perna amputada, ou recompensa para Isaac por ter perdido sua visão. Em vez disto, os leitores enxergam que adolescentes com câncer são apenas isto: adolescentes. O que os torna diferentes de outros adolescentes é que eles foram colocados numa terrível posição de ter que lidar com uma doença debilitante e, algumas vezes, fatal. Augustus discute a ideia diretamente quando conta a Hazel sobre sua ex-namorada, Caroline Mathers. Ele fala sobre a vítima de câncer que luta heroicamente contra a doença até o fim, depois aponta para o fato de que jovens com câncer não são estatisticamente mais propensos a serem pessoas melhores do que as que não têm câncer. E Caroline, ele explica, tornou-se gradativamente mais cruel em relação a ele na medida em que a condição deste piorava. Em vez de torná-la uma pessoa melhor, o câncer dele a tornou pior. O exemplo mais pungente da realidade do câncer é Augustus em si depois que sua doença reaparece. Ele definha rapidamente, e Hazel testemunha a humilhação e dor que ele sofre como resultado do retorno da doença. Ele perde o controle de seu corpo, urina na cama e fica confinado a uma cadeira de rodas. Quando ele liga para Hazel no posto de gasolina pedindo para ela o ajudar, ela pensa na pessoa em que ele se tornou, notando que o Augustus Waters do sorriso torto e dos cigarros não fumados se foi, tendo sido substituído pela criatura desesperadamente humilhada sentada ali bem à frente dela no carro. Algumas linhas depois, ela pensa sobre as convenções dos jovens com câncer, e sobre como se espera que eles mantenham o humor e o espírito até o fim. Mas Gus era a realidade: o sofrimento, o medo e a lamentação enquanto lutando para não sentir tudo isto. Através destes detalhes, o romance mostra que as convenções falsas do sentir-se bem em relação aos jovens com câncer são, na realidade, clichês vazios utilizados pela sociedade para lidar com um assunto bastante desconfortável.
   Um último tema que merece breve análise é o da importância da ficção. No início do livro, a nota do autor se refere à ideia de que histórias inventadas podem ser relevantes, e que isto seria mais ou menos a crença fundamental da nossa espécie; deste momento em diante, o valor da ficção é um tema proeminente ao longo do livro. Torna-se mais marcante na relação que tem Hazel com o seu livro preferido: Uma Aflição Imperial. Ela o descreve como a sua bíblia pessoal, e é o único texto que ela leu em que o sofrimento em virtude do câncer realmente se parece com sua própria experiência. O livro oferece a ela uma espécie de companhia que a conforta. A questão de personagens fictícios e uma estória inventada poderem ou não ter um valor genuíno na vida real de uma pessoa vem à tona quando Peter, o autor de Uma Aflição Imperial, responde aos emails de Augustus. Este contou àquele que o livro significou algo para ele, sendo que Peter responde tentando imaginar que valor a ficção realmente tem. Ele sugere que a ficção pode oferecer uma ilusão temporária de que a vida tem algum significado, quando, na verdade, pode não ter nenhum. Ele também se questiona se a ficção deveria agir mais como um chamado às armas, alertando as pessoas sobre coisas nas quais elas deveriam prestar atenção, ou se seria mais como uma dose de morfina no sentido de entorpecer as pessoas para a realidade que se coloca ao nosso redor. Mas a nota do autor oferece uma espécie de resposta de John Green para a questão sobre o valor da ficção. Ele acredita que sim, que há valor na ficção, e o conforto, alegria e companhia que Hazel encontra em Uma Aflição Imperial, com temas semelhantes ao próprio livro do Green, implica que estórias inventadas podem ser verdadeiramente importantes.


   Quanto aos motivos, alguns merecem discussão. Para Hazel, a ideia de afogamento ressoa tanto no nível literal quanto no metafórico, estando diretamente ligado ao símbolo mais proeminente do livro: a água. Do ponto de vista literal, as metástases em seus pulmões fazem estes se encherem de líquido, o que acaba sendo a causa de sua descompensação súbita e internação em UTI no meio do romance. Mas o afogamento aparece de outras formas também. Quando Hazel acorda naquela noite com dor de cabeça insuportável e acaba indo parar na UTI, ela descreve algo como estar na praia, com ondas quebrando sobre ela, mas não sendo capaz de se afogar. Este motivo também aparece no poema de T.S. Eliot - A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock, que Hazel recita parcialmente para Augustus. Enquanto eles jantam e bebem champanhe em Amsterdã, ela recita algumas linhas do poema para ele. As linhas finais do poema são: 'We have lingered in the chambers of the sea / By sea-girls wreathed with seaweed red and brown / Till human voices wake us, and we drown.' (Numa das traduções, ficaria assim: 'Tardamos nas câmaras do mar / Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas / Até sermos acordados por vozes humanas, e nos afogarmos.'). Ela não atenta no momento, mas é possível que o poema a lembre de sua própria situação. Neste caso, o afogamento é uma clara referência à morte que Hazel teme, uma ameaça constante por causa das metástases em seus pulmões. Finalmente, quando Augustus morre, ela usa a mesma analogia para descrever como ela se sente ao perdê-lo. Ela compara isto a ser esmagada por ondas e incapaz de se afogar, significando que não há alívio para a sua dor.
   Outro motivo no romance são as metáforas. Os personagens, principalmente Augustus e Hazel, frequentemente usam metáforas como  atalhos para falar sobre assuntos fortemente emocionantes. Augustus, por exemplo, descreve lances livres, no basketball, existencialmente aterrorizantes no dia anterior à amputação de sua perna. Os lances livres se tornam uma metáfora para o sentido de propósito dele, já que antes da amputação ele era uma estrela do esporte, e perder uma de suas pernas significa o fim do esporte para ele. Ele subitamente começa a questionar porque esta atividade era tão importante, mas a implicação é que de repente ele começa a se perguntar sobre o seu propósito de forma mais ampla. Ele também passa a usar um símbolo que é unicamente seu: frequentemente mantém um cigarro não aceso entre seus lábios no sentido de simbolizar o controle sobre aquilo que pode matá-lo, querendo significar o câncer. E esta é a exata forma de controle que nem Augustus, nem Hazel e nem Isaac têm quando o câncer deles vem à tona, e é interessante notar que Augustus utiliza a significância do símbolo do cigarro para dar a ele forças em momentos de medo e incerteza. Hazel tem também sua própria metáfora; ela se associa a uma granada quando imagina a dor que irá causar aos que estão ao seu redor quando ela se for. Em cada exemplo, a metáfora permite ao personagem lidar com o assunto que se apresenta, Hazel com sua morte iminente, por exemplo, sem ter que chamá-lo pelo nome.
   Um último motivo é o existencialismo. Este não é um conjunto de princípios definidos muito claramente; é um termo que convenientemente se refere a um grupo de pensadores e artistas, muitos com crenças muito diferentes, mas que apresentam em comum o exame do sentido da vida e da morte quando, na verdade, são entidades potencialmente sem significado algum (não concordo, pessoalmente, com o existencialismo neste formato de ausência de um significado para a vida, mas aqui discuto como motivo evidente no livro). Este enigma é precisamente aquilo que os personagens do romance enfrentam. Frequentemente eles se questionam se a vida deles tem algum sentido já que irão morrer por câncer tão jovens, e antes de terem conquistado ou desenvolvido qualquer coisa significativa em suas vidas. Em um episódio notável, após a morte de Augustus, Hazel lembra do primeiro encontro dela com ele, quando ela disse que o problema da vida não é que ela acaba levando ao esquecimento, mas que não há significado evidente neste esquecimento. De forma apropriada, então, há referências recorrentes ao pensamento existencialista ao longo do romance, como os nomes do quartos no hotel em Amsterdã, que são todos nomes de pensadores e filósofos existencialistas. O romance inventado, Uma Aflição Imperial, também se relaciona a este motivo e levanta questões sobre autenticidade e valor, que também eram objetos de discussão do existencialismo. Mais significantemente, portanto, o existencialismo surge nos pensamentos e medos de Hazel e, particularmente, Augustus, na medida em que eles avaliam que significado precisamente a vida deles tem. Augustus, por exemplo, revela que deseja realizar algum sacrifício heroico, como pular sobre uma granada para salvar um grupo de crianças, como ele faz no video game, que joga com Isaac, e, com isto, dar à sua vida e morte um sentido. Quando seu câncer retorna, ele luta com a constatação de que nunca irá realizar aquele tipo de ato, e Hazel se maravilha com a curiosidade existencial dele. Com isto, Augustus é forçado a refletir se sua vida e morte serão realmente significativas. Hazel se ofende com esta reflexão, argumentando que uma vida comum, sem uma morte heroica, como a dela será, não é necessariamente sem significado, e Augustus acaba reconhecendo que o significado é algo que ele terá que determinar por si mesmo. É uma linha de pensamento muito próxima do existencialismo.
   Quanto aos símbolos presentes no livro, alguns merecem discussão. Talvez o mais emblemático seja a água. Esta, em A Culpa é das Estrelas, mais diretamente representa o sofrimento em suas variedades positivas e negativas. Por exemplo, simboliza o fluido que é acumulado nos pulmões de Hazel como resultado de seu câncer. Esta quantidade de líquido causa a ela um grande sofrimento ao longo do romance. Faz com que ela tenha que usar um cilindro de oxigênio portátil e móvel, limitando sua capacidade em realizar qualquer atividade mais extenuante, e quase a mata em um determinado momento do livro. Ela associa esse sofrimento, como já comentado, a ondas que se chocam contra ela mas não a deixam se afogar. Este é, obviamente, o sofrimento em sua forma negativa. Ao mesmo tempo, é significativo que o último nome de Augustus seja Waters. Ele é o grande amor da vida de Hazel, e sua deterioração física e, em seguida, a morte causam um grande sofrimento em Hazel. Mas esta não trocaria essa dor por nada; é uma marca do amor que ela sente por ele, o que a torna de uma certa forma algo positivo. Ao usar a analogia das ondas novamente após a morte de Augustus, ela cria uma metáfora com dois sentidos paralelos: um no qual se afogar na água representa o sofrimento negativo do seu câncer e o outro em que se afogar na água representa o sofrimento positivo ao perder Augustus. E este resume essa natureza dual do sofrimento e da água na carta final que escreve para Peter; quando Hazel esteve hospitalizada, Augustus foi ao quarto onde ela estava internada na UTI e a encontrou inconsciente. O enfermeiro disse que Hazel ainda estava 'formando água'. Augustus descreve essa abundância em água a Peter como uma 'bênção do deserto, maldição do oceano'. Também é válido notar que as duas localidades no romance, Indianápolis e Amsterdã, são cidades com canais. Amsterdã, em particular, vive sob constante ameaça de ser inundada por água que está ao redor da cidade, como Hazel de certa forma. Também, esta cidade é o lar de Peter, que está literalmente se afogando no seu sofrimento por ter perdido sua filha muitos anos antes por câncer. Finalmente, a epígrafe do livro, retirada do romance fictício Uma Aflição Imperial, oferece outra camada de significado para o simbolismo da água. Nela, refere-se à água como 'juntadora treplicadora envenenadora ocultadora reveladora', dando a ela uma qualidade precisamente onipotente, como um deus, e compara a água ao tempo, 'subindo e descendo, levando tudo consigo'.


   Outro símbolo já discutido é o cigarro de Augustus. Colocar o cigarro entre os dentes e não acendê-lo representa a tentativa dele em lidar com e, idealmente, controlar as coisas que ele teme. Embora ele não diga tão explicitamente, a coisa que mais teme parece ser o câncer. O cigarro é um famoso carcinógeno, e quando ele explica a metáfora para Hazel, parece ser o câncer aquilo que ele, especificamente, tenta controlar. Ao longo do romance, entretanto, o cigarro desenvolve um significado maior do que aquele a que Augustus inicialmente queria associar. Ele recorre ao cigarro sempre que se sente inseguro, sugerindo que ele age como uma forma simbólica de controlar seus medos, sendo o câncer apenas o mais notável. Mais ao final do romance, o incidente no posto de gasolina, em que ele liga para Hazel pedindo ajuda, ocorre porque ele está tentando comprar cigarros. No contexto do valor simbólico deles, ele está tentando retomar o controle. Mas, neste ponto, seu corpo está definhando; ele tem dificuldade em andar sozinho, não pode controlar sua bexiga completamente, e quando Hazel o encontra no carro, ele vomitou em si mesmo. Ele diz que apenas queria comprar uma carteira de cigarros por conta própria, e o estado de sua saúde e o fato de ele se encontrar incapaz de adquirir os cigarros sinalizam para a realidade de que qualquer controle que ele tinha sobre o câncer se foi.
   Um outro símbolo já bastante discutido é o da granada. Esta metáfora significa a morte e o sofrimento que a morte de uma pessoa causa àqueles próximos a ela. Hazel utiliza esta metáfora algumas vezes; para ela, não ferir os outros é um princípio maior. É evidente, por exemplo, em seu estilo vegetariano. Ela, ainda, não deseja ficar distante daqueles que ama, mas sente que se afastar talvez seja a única maneira de mantê-los seguros. O símbolo da granada aparece mais e mais enquanto ela se depara com este conflito do desejo de estar próximo aos que ama e se preocupa com o dano que causará a eles. Mas é válido notar que a granada também aparece no video game, quando Augustus joga com Isaac. No jogo, Augustus se joga heroicamente sobre uma granada para salvar as crianças de uma escola próxima; este autosacrifício é a única forma que ele encontra, pelo menos no jogo, de conquistar o heroísmo que sempre desejou, e portanto, este símbolo da granada se torna uma das maiores lições no livro. Depois que Augustus morre, Hazel lê a carta que ele enviara para Peter em que discute esta ideia de pessoas próximas a nós que nos ferem. Ele diz que as pessoas não podem escolher quem irão ferir, mas poderão escolher quem irá ferir a si. A granada representa o sofrimento que causamos aos outros, mas, como ele mostra no jogo, em alguns casos, a causa é válida. Claramente, vemos que qualquer que tenha sido a dor que a morte dele causou em Hazel, valeu a pena para esta de forma similar ao que aconteceu no jogo, e neste jogo, o romance sugere, através do ato de Augustus, que há uma medida de heroísmo em querer se ferir pela causa certa.
   Um último símbolo que merece destaque é o romance dentro do romance: Uma Aflição Imperial. Este tem uma abundância de ressonância metafórica ao longo de A Culpa é das Estrelas. Para começar, ele representa o valor de cura da ficção. Hazel se refere a ele como sua bíblia pessoal porque é a única descrição de uma experiência do câncer que se parece com a que ela realmente experimenta. Este fato lhe provê uma grande dose de conforto enquanto ela lida com a própria doença, e também estabelece o fundamento para o outro significado simbólico do romance: ele representa a experiência de Hazel, e, em particular, a relação dela com sua família. Ela tem necessidade de descobrir o que acontece com alguns dos personagens do romance ao final do livro porque eles servem como análogos de seus pais, e ela deseja saber se estes ficarão bem após a morte dela. Ao descobrir o que acontece aos personagens e confirmando que eles simplesmente não desaparecem ao final, após a morte de Anna, ela poderá ficar mais certa de que os próprios pais irão seguir adiante após o seu próprio fim. O romance não elabora completamente esta ideia, mas descobrir o destino daqueles personagens também poderá corresponder à confirmação de que a estória de Anna, e, por extensão, a sua própria, não simplesmente termina com a morte daquela personagem. Se a estória continua, então mesmo que Anna não seja uma presença ativa, ela ainda estará conectada a uma existência maior que continuará após a sua morte. Se isto for verdade, Hazel poderá sentir algo semelhante, continuando a desempenhar um papel importante na estória da sua família e de seus amigos; assim, ela não simplesmente desapareceria no esquecimento com a sua morte. Enquanto metaromance, ou um romance dentro do romance, Uma Aflição Imperial também representa a questão do que é autêntico e que tem valor (o questionamento que faz associação com o existencialismo, já que questionar a autenticidade e o valor inerente das coisas, como o valor da vida ou moralidade, por exemplo, foi um grande tema desta corrente de pensamento). Questões sobre a autenticidade aparecem ao longo da estória, como por exemplo enquanto Hazel desconstroi ideias preconcebidas sobre os pacientes com câncer, mas também considerando a autenticidade das estórias inventadas. Ao começar o romance com uma epígrafe supostamente retirada do metaromance Uma Aflição Imperial, o autor força o leitor a se questionar se o fato de que algo é ficção tem qualquer influência no seu valor.
   Para Hazel, os personagens de Uma Aflição Imperial claramente desempenham um grande valor para ela, e conhecer seus destinos faz toda a diferença, como se eles fossem pessoas reais. Peter, entretanto, não parece acreditar muito no valor da ficção. Ele questiona o seu uso no email para Augustus, além de dizer para Hazel assumidamente que os personagens simplesmente deixam de existir quando o romance termina. Na mente de Hazel, isto simplesmente não é verdade, e este questionamento dela prontamente leva o leitor de A Culpa é das Estrelas a se fazer a mesma pergunta em relação aos seus personagens. Se Hazel e Augustus são ficcionais, eles podem ter um valor real em nossas vidas? A nota do autor sugere que sim, dizendo que a ideia de que estórias inventadas podem ser relevantes é uma crença fundamental da nossa espécie. Uma Aflição Imperial, desta forma, torna-se um símbolo da autenticidade e do valor de estórias inventadas.


   Tendo um apelo que cabe perfeitamente nos filmes hollywoodianos, não é nenhuma surpresa o fato de a estória cair muito bem na película. Todos se recordam da comoção que foi assistir pela primeira vez a uma outra adaptação em que o filme se presta a algo muito mais comovente do que aquilo que se encontra nas palavras: Um Amor Para Recordar, de 2002 (adaptação do livro A Walk to Remember, de Nicholas Sparks; aliás, outro autor bastante mediano, mas cujas adaptações para o cinema se prestam muito bem em virtude dos temas clichês e que comoveriam independente de quem os adaptasse ou escrevesse, e isto tira muito o mérito do autor). Claro que é um belo filme, que faz todos que a ele assistem de forma dedicada se emocionarem. Para o caso da adaptação, lançada este ano, a grande receita foi ter usado bons escritores para o projeto da adaptação e atores despretensiosos: não são superestrelas (ainda). O filme foi escrito pela dupla Scott Neustadter e Michael H. Weber, que também escreveram um filme muito superior a este: 500 Dias Com Ela (500 Days of Summer). Ter uma boa trilha sonora e ser bastante fiel ao livro ajudou bastante à adaptação. Obviamente, uma nota 8,4 (até agora) no banco de dados mais fiel para a consulta de filmes, o IMDb, é um exagero sem tamanho (já que vemos, por exemplo, filmes como Gladiador com nota também 8,4, Coração Valente com nota 8,0 e mesmo Um Amor Para Recordar com nota 7,4) - mas, percebi que, há uma semana, a nota era 8,5 (caiu 1 décimo em uma semana); talvez sejam mais justos com o tempo. Mesmo o 500 Dias Com Ela tem nota 7,8, o que, no contexto da adaptação de A Culpa é Das Estrelas, não é justo de forma alguma. Repito, é um filme comovente, suave e bonito, mas muito sobrevalorizado por estar em voga (sabe aquela ideia passada pelo verso de uma música dos Titãs que é mais ou menos assim: 'a melhor banda de todos os tempos da última semana'? Pronto! É isto!!!).

Shailene Woodley (Hazel Grace Lancaster)
Ansel Elgort (Augustus 'Gus' Waters)
Willem Dafoe (Peter Van Houten)
   Alguns podem estar se questionando por que eu escrevi tanto sobre uma obra que considero apenas mediana; na verdade, compreendo há algum tempo que aquele que se envolve, no campo da arte, somente com aquilo de que gosta irá perder bastante, até porque aprendi, com um grande indivíduo e ao longo de minha curta vida, que devemos, sempre e primeiramente, analisar a realidade dos fatos, para só então podermos tecer quaisquer comentários acerca de qualquer que seja a obra e em qualquer âmbito da esfera artística. Portanto, li o livro, assisti ao filme e fiz pesquisas as mais variadas sobre os temas envolvidos; somente assim pude trazer, aqui, discussões e a minha visão acerca dos fatos. E, repito, não é uma obra que não me agrada, mas confesso que se não fosse considerada, digamos, essa espécie de 'histeria adolescente' relacionada à maior parte dos leitores, não estaria tão em voga assim neste momento. Se você gosta de temas comoventes, clichês e de se entreter com uma estória suave e sem compromisso algum, irá adorar A Culpa é das Estrelas, mas, por favor, jamais ache que será um livro comparado a grandes clássicos da Literatura Universal, esta que é a sexta esfera da arte e considerada, por mim, a sua mais bela expressão e algo realmente sagrado. Eu respeito as letras, e é em respeito a elas que, no meu IMDb Literário pessoal, este livro merece, no máximo, uma nota 6,o (veja bem: considerando a obra do ponto de vista literário). O filme também me agrada bastante, porque a sétima arte consegue adaptar boas estórias e comover tão bem pessoas que, como eu muitas vezes me encontro, querem apenas se sentar confortavelmente e curtir suavemente um bom momento por alguns instantes: para isto, o filme se encaixa melhor que a Literatura. Se você adora esta obra e considera que ela te fez viajar até as nuvens, convido o leitor que chegou até aqui a fazer algo parecido com o que faço: conheça a realidade dos fatos antes de tecer quaisquer julgamentos, e leia livros de que, hoje, você não gosta. Você se surpreenderá com a viagem a que eles te levarão, e sentirá que, se alguns infinitos são maiores do que outros, alguns não te levarão às nuvens, mas para além das estrelas. Uma boa semana a todos!