sábado, 10 de novembro de 2012

Imensidão Azul

   A cor azul tem, há muito, uma importância especial para mim. Sempre que se remete tanto ao termo em si quanto à cor, parece que em mim se desperta uma emoção mais verdadeira, uma espécie de fascinação. Muitas coisas belíssimas são azuis: nosso planeta é azul, o mar mais bonito é azul (apesar de a água ser transparente), o céu azul é mais bonito do que o cinza, a borboleta azul é mais bonita, a flor azul é mais rara (o lírio francês azul é surreal), a baleia azul é o maior e mais fascinante mamífero do planeta (apesar de não ser azul...), o céu azul dos quadros de Monet é uma das coisas mais belas que já pude visualizar (e o que dizer de suas ninféias azuis? Impressionante!), etc. A cor azul é geralmente relacionada a tristeza, depressão, mas também à ordem, à paz e à harmonia. Esta última característica é bem verdade, por exemplo, quando você está diante do mar num dia claro, com tudo azul, a contemplá-lo. Nando Reis, grande músico do nosso país, já disse em uma de suas músicas: 'Quando a gente fica em frente ao mar, a gente se sente melhor...'. Concordo plenamente com isto!


Borboleta azul


Rosa azul


Mergulhador, baleia e mar azul

   Sendo o azul a minha cor preferida, a sua maior conotação para mim se apresenta em paisagens com o mar, e, obviamente, o céu que o envolve. Músicas que tratam do mar, portanto, são capazes de me inspirar profundamente, e me deixam um pouco mais felizes no exato momento em que as escuto. Uma das mais bonitas é a francesa que tem o mar em seu título: La Mer. Esta música foi composta pelo francês Charles Trenet em 1943 enquanto este viajava em um trem que cobriu a costa francesa do lado mediterrâneo, indo de Paris a Narbonne. Já foi gravada em várias línguas, por vários artistas, tendo sido apresentada em inúmeros filmes e programas de TV desde seu lançamento em 1946. Sua versão em inglês, entitulada Beyond The Sea, também tem sido muito ouvida e regravada desde que foi criada por Jack Lawrence. Deixo ambas as versões abaixo (da versão original, em francês, o primeiro vídeo é cantada pelo próprio compositor, Charles Trenet, e é muito poética, como se saída de um velho vinil; a segunda, é cantada por Dalida, e resolvi colocá-la por conter legenda em português; da versão em inglês, deixo a cativante versão para o grande filme Procurando Nemo, interpretada por Robbie Williams). São músicas, como já descrevi, muito inspiradoras!











   Em setembro de 2009, viajamos em férias para Jericoacoara, no Ceará, e para Tibau, no Rio Grande do Norte. Foram viagens inesquecíveis, e ver o sol se pôr no mar do alto da 'Duna do Pôr-do-Sol', em Jeri, é algo indescritível. Muitas paisagens contemplativas trazem uma paz interior capaz de levar a profundas reflexões. Lembro-me bem de que Jeri continha somente 4 ruas, não calçadas ou asfaltadas, sem iluminação pública (a iluminação das ruas à noite se dava pela iluminação que vinha das próprias casas e estabelecimentos; como uma vila de pescadores), com uma padaria que abria somente de madrugada, com shows de Forró nas pousadas ou barracas à beira-mar, e que ficava escondida e afastada de Fortaleza, a capital do Ceará, e seu acesso não pode ser feito por carro de passeio normal (lá só se chega em carros com tração nas quatro rodas, de bugres ou jardineiras). Apesar de ter visitado aquele lugar paradisíaco, a maior lembrança que tenho daquelas férias foi o último fim de semana; fomos eu, meu pai, minha mãe e Pandora (nossa cadela) para nossa casa na praia em Tibau. No último dia em que ficamos lá, resolvemos acordar na madrugada, eu, minha mãe e Pandora, para irmos até a beira-mar ver o nascer do sol. Acordamos com o céu ainda escuro, algumas estrelas no céu, e, apesar de nossa casa ficar a alguns passos do mar, saímos de casa sem conseguir vê-lo, mas somente ouvi-lo. Ficamos numa barraca e esperamos a natureza seguir seu curso... O que foram aqueles momentos, eu consegui registrar muito parcialmente na segunda parte do vídeo abaixo! Só me veio uma música à cabeça enquanto o sol nascia: Sunrise, Norah Jones. O vídeo que fiz daquela viagem contém fotos na primeira metade e este dia em Tibau, em vídeo, na segunda metade! Jamais vou esquecer daqueles dias. Espero que gostem (só peço desculpa por não ser nenhum profissional com a câmera, por não ter um estabilizador de imagem na época e pela qualidade, que teve que ser reduzida para gerar um vídeo de menor tamanho para que pudesse enviar para a net)!




   Este último dia da viagem me levou à seguinte reflexão: apesar de na maioria das vezes, em nossas vidas, estarmos passando por momentos de pura felicidade, que não voltam, e que só percebemos quando ele já passou, e que estes momentos geralmente são os mais simples, algumas vezes coisas inesquecíveis acontecem quando você menos espera por achar que o melhor já passou, como nos momentos mais finais das férias ou de uma viagem, de um encontro com os amigos, o final de um livro, o final de uma música, etc..
   Fazendo uma reflexão mais consistente, seria difícil precisar quando o azul e o mar passaram a ter uma maior importância para mim, ou, mais pontualmente, quando foi que isto tudo começou. Voltando no tempo, poderia dizer que duas coisas foram essenciais, tendo influenciado grandemente este gosto particular; em primeiro lugar, tenho recordações de meu pai cantando para eu dormir lá longe, na infância, e uma música que certamente exerceu um grande papel foi Mucuripe, de Belchior (esta música tem uma conotação nostálgica, calma e onírica do mar, tendo moldado muito esta minha relação com o mesmo); em segundo lugar, em algum lugar da década de 1990, assisti a um filme que, sem dúvida alguma, gerou a maior parte dos sentimentos que tenho pelo azul e pelo mar: Imensidão Azul (Le Grand Bleu), de Luc Besson, filme lançado em 1988. Este sim, repito, construiu toda a minha referência do mais belo do mar e do azul, sendo um dos filmes mais oníricos e transcendentais a tratar do tema.





Cartaz do filme 'Imensidão Azul'




   O filme foi a maior bilheteria na França na década de 1980, tendo permanecido em cartaz por 1 ano naquele país (de quantos filmes que saem hoje em dia você consegue imaginar o mesmo?). É um filme que trata da rivalidade e amizade que existiu na vida real entre dois campeões do mergulho livre, Jacques Mayol e Enzo Maiorca. O primeiro nasceu em Xangai, na China, mas naturalizou-se na França; foi o primeiro a ultrapassar, no mergulho livre, a profundidade de 100m (em 1976 atingiu 101m em Elba, na Itália), e chegou aos 105m em 1983. Foi um mergulhador que ajudou a evolução de pesquisas na fisiologia do corpo humano no mundo subaquático (no seu mergulho em que ultrapassou os 101m, a sua frequência cardíaca chegou a 27 batimentos por minuto  no ponto mais profundo, sendo inicialmente de 60 quando na superfície, fato observado como uma espécie de 'reflexo do mergulho em mamíferos' também em mamíferos marinhos, como baleias, golfinhos). Ele tinha uma fascinação por golfinhos e desenvolveu uma filosofia de vida que apresentou em seu livro, intitulado L'Homo Delphinus, em que tenta buscar um sentido na relação do homem com o mar. Ele cometeu suicídio em 22 de dezembro de 2001 (foi encontrado enforcado em sua casa na ilha de Elba); sofria de depressão e suas cinzas foram jogadas sobre a costa da Toscana, na Itália. O segundo é ainda vivo e natural de Siracusa, na Itália, e foi o grande rival e amigo em vida do primeiro, tendo batido 13 recordes mundiais em profundidade no mergulho livre entre 1960 e 1974.


Jacques Mayol

Capa do livro de Jacques Mayol

Enzo Maiorca (no filme, Enzo Molinari)

Jacques e Enzo

   A película é uma visão poética desta amizade e rivalidade, apresentando uma profunda paixão pelo mar, com belíssima fotografia, com tomadas filmadas principalmente pelas ilhas gregas e pela Sicília, e trilha sonora altamente onírica, como se houvesse sempre uma relação do mar com descanso, sonho, calma e paz. Foi escrito e dirigido por Luc Besson, e a grandiosidade da obra pode ser explicada em parte pela fascinação deste pelo mar, fato altamente relacionada à sua biografia. O diretor nasceu em Paris em 18 de março de 1959 e cresceu sob a ambiente aquático, tendo sido seus pais instrutores de mergulho; quis ser biólogo marinho e passou grande parte de sua juventude viajando por lugares paradisíacos pela antiga Iugoslávia, Grécia e Itália. Embora tenha ficado mais famoso por aqui por filmes como O Quinto Elemento, Joana D'Arc (aquele com Milla Jovovich) e, mais recentemente, Busca Implacável (muito bom filme com Liam Neeson), que ganhou uma continuação no último mês, o filme Imensidão Azul é sem dúvida sua obra-prima. Foi, ainda, o filme que lançou o grande ator Jean Reno, que nasceu em Casablanca (Marrocos), filho de pais espanhóis que fugiam da ditadura de Franco, e mudou-se para a França com 17 anos. O seu papel como Enzo é altamente cativante, apresentando o personagem da forma como conhecemos os italianos, e o seu contraste com o francês Jacques, interpretado por Jean-Marc Barr, é muito interessante.


Luc Besson

Jean Reno

Jean-Marc Barr

   O que é apresentado no filme de forma mais marcante é a expressão visual em vez da expressão racional (Luc Besson foi representante da corrente de cinegrafistas do Cinéma du look, movimento francês da década de 1980 que dava preferência ao estilo e ao espetáculo, e não à substância e à narrativa). O protagonista do filme é explicitamente o mar, e a sua referência Zen apoteótica o tornou um grande cult. A voz no filme é a do italiano, enquanto o francês parece apenas preencher o espaço do seu personagem; entretanto, a 'fala' deste é, visivelmente, em forma de subtexto, ou seja, o personagem é quase como um ser aquático, e as cenas em que aparece são tão longas quanto as que aparece o mar; é algo como se Jacques fosse não humano, mas um ser especial. A metáfora existente no fato de o filme tratar de alguém que é mergulhador livre, e sua referência à imensidão do mar, parece apontar para um homem cujas buscas pela compreensão de sua alma o leva a profundidades extraordinárias. Para Enzo, o mergulho livre é apenas um esporte, e ele busca incansavelmente ser tão somente o melhor no que faz; para Jacques, o mergulho livre tem um sentido mais metafísico (empurrando seu corpo ao limite, ele atinge uma clareza como espécie de transe no silêncio azul das profundezas).
   Sendo a fotografia tão onírica quanto a trilha sonora, há cenas tão sublimes que merecem ser mostradas aqui; inclusive, guardo muito de uma imagem do filme o ambiente perfeito para ouvir ou executar um Jazz suave, sempre diante do mar. A cena com Jean Reno ao piano é formidável. Para entender um pouco sobre o que estou tentando expressar, deixo um vídeo mais abaixo; tentem ouvir a música (Sleep Away, de Bob Acri) e visualizar esta cena do piano...

















 
   No trailer deixado abaixo do cartaz do filme, mais acima, há a passagem que explica a essência da tragédia final (obviamente, descrever como 'tragédia' é apenas uma das formas de interpretação). Na cena, Jacques é solicitado por sua namorada, Johana Baker (interpretada por Rosanna Arquette) a contar uma estória; ele conta a seguinte estória: "Você sabe o que se deve fazer para encontrar uma sereia? Você desce até o fundo do mar, onde a água não é mais azul, onde o céu é apenas uma lembrança. Você flutua lá em silêncio, e fica lá, e você decide que vai morrer por elas. Só então elas começam a vir. Elas vêm e o cumprimentam, e julgam o amor que tem por elas. Se for sincero, se for puro, elas ficam com você. E o levam para sempre." O final do filme é, portanto, altamente surreal, onírico, metafísico e transcendental! É belíssimo! E interessante que no final da versão americana, uma interpretação possível é apresentada: após descer às profundezas do oceano, Jacques é apresentado sobre a superfície de um mar sublime, sob nuvens que preenchem um céu num ambiente que metaforicamente só pode representar uma coisa: o paraíso. Vejam abaixo (só evitem assistir se vocês preferirem ver o filme antes de voltar a esta postagem).




   Este filme é, sem dúvida, uma ode à amizade, à beleza ao desconhecido e à busca pelo mais profundo sentido. É um deleite hipnoticamente belo e metafísico. A expressão visual do filme tem muitas referências que guardo até hoje e que representam muito do meu conceito de contemplação.
   Para finalizar, gostaria de deixar um trecho de um conto de um dos maiores autores russos que já existiu, considerado um dos maiores contistas de todos os tempos: Anton Pavlovitch Tchekhov, que além de escritor era médico. Sempre que se lê uma peça literária em prosa, a observação de quem é que a conta é algo essencial; sempre se deve observar sob qual ponto de vista ou perspectiva se forma a imagem do narrador. Em um de seus contos, 'Gussev', Tchekhov fala de um marinheiro que morre no mar. O conto começa do ponto de vista do marinheiro, depois se transforma em longos trechos de diálogo entre ele e outro homem moribundo. Quando Gussev morre, a perspectiva muda para a dos marinheiros que o sepultam no mar e depois para a do peixe-piloto que vê seu corpo cair, depois para a do tubarão que vem investigar, até que, finalmente... Leiam vocês mesmos e tirem sua conclusões! O último parágrafo é uma das coisas mais bonitas que já pude ler em literatura clássica!

   "Afundou rapidamente. Terá chegado ao fundo? Até o fundo, dizem, é quase uma légua. Ao cabo de oito ou dez braças, começou a descer mais devagar, balançando de forma ritmada, como que hesitando, e, arrastado por uma corrente, deslizou mais para o lado do que para baixo.
    Encontrou então pelo caminho um cardume de peixes a que chamam pilotos. Ao verem o corpo escuro, os peixes estacaram petrificados e, todos juntos, deram meia-volta e desapareceram. Em menos de um minuto eles voltaram, velozes como flechas, e começaram a ziguezaguear na água em torno de Gussev.
    Depois disso, outro corpo escuro apareceu. Um tubarão. Nadou por debaixo de Gussev lenta e dignamente, sem demonstrar interesse, como se não o notasse; depois afundou um pouco mais, virou-se de barriga para cima, refestelando-se na água morna e transparente, e abriu preguiçosamente as mandíbulas com duas fileiras de dentes. Os peixes-pilotos estão encantados; param para ver o que virá a seguir. Depois de brincar um pouco com o corpo, o tubarão, indiferente, toca-o ligeiramente com os dentes e a lona se rasga em toda a extensão, da cabeça aos pés; um dos pesos se solta, assustando os pilotos, bate nas costelas do tubarão e vai rapidamente para o fundo.
    Lá em cima, neste momento, as nuvens se acumulam do lado onde o sol se põe; uma parece um arco do triunfo, outra um leão, uma terceira uma tesoura... De trás das nuvens um raio se projeta, largo e verde, e se estende até o meio do céu; pouco depois, outro raio, violeta, estende-se ao lado do verde; ao lado deste, um dourado, e depois um rosado. O céu tinge-se de um lilás suave. Olhando esse céu maravilhoso e como que encantado, o oceano fica, a princípio, aborrecido, mas pouco depois ele próprio adquire cores suaves, alegres, apaixonadas, difíceis de nomear na língua humana."

   No último parágrafo, não temos a impressão de estar vendo através dos olhos de Deus? :) Uma boa semana a todos!

2 comentários:

  1. Show de artigo. Me identifiquei muito, pois minha cor preferida, também é o azul. Viajei na cultura, na história, nas relações humanas, más a passagem do nascer do sol em Tibau com sua mãe e a canção que seu pai cantava pra vc em sua infância, nos mostra que são nas pequenas coisas que acontecem em nossas vidas, que está a verdadeira felicidade. Continue nos brindando com seus belos textos. Abç.

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    1. Grande Junior! É sempre muito bom ouvir um elogio assim!
      Realmente não tenho dúvida de que estas pequenas coisas são muito especiais e mesmo lá na frente em nossas vidas nos mostram porque acabamos seguindo este ou aquele caminho. Resgatar estas lembranças e enxergar o sentido delas em minha vida me permite um maior e mais coerente conhecimento de mim mesmo.
      Obrigado pelo comentário, e espero poder continuar brindando àqueles que passam por aqui com conhecimentos e grandes inspirações. Forte abraço!

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