sábado, 29 de setembro de 2012

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band


   'Paul is dead' (Paul está morto)! Este foi um dos maiores boatos da história do Rock! Na capa altamente trabalhada de um dos maiores discos de todos os tempos, várias mensagens são apresentadas de tal modo que tornavam esta afirmação muito possível. Paul realmente sofreu um acidente de moto sem maiores repercussões em 1966; a partir daí, surge um boato de que ele teria morrido às 5 horas da manhã de 9 de novembro de 1966, uma quarta-feira, num acidente de carro em um cruzamento, tendo sofrido morte instantânea no local. Dizem que o fato foi abafado pela imprensa local e nunca se encontrou um laudo pericial referente à autópsia realizada no corpo. Os outros integrantes da banda teriam selecionado um sósia, de origem anglo-escocesa, de nome William Campbell (o Billy Shears), e a partir de então, ele teria se passado por Paul McCartney. Entre novembro e dezembro de 1966, foi gravada a tão famosa canção Strawberry Field Forever (que, juntamente com Penny Lane e Only a Northern Song, deveria fazer parte do álbum Sgt. Pepper's); no final desta canção, que foi lançada em 13 de fevereiro de 1967 nos EUA e em 17 de fevereiro de 1967 no Reino Unido, quando há uma parte instrumental com batidas em meio a sons de instrumentos de sopro e uma guitarra distorcida, há uma frase falada por John Lennon, em que se ouve 'I buried Paul' (Eu enterrei Paul)... Isto ajudou a propagar o boato (mais tarde, John afirmaria que na verdade ele falou 'Cranberry Sauce', ou seja, molho de Cranberry)

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (capa)
   As maiores pistas que alimentariam este boato, na realidade, viriam com a capa de Sgt. Pepper's. Capas de álbuns anteriores e posteriores a este disco dão pistas da suposta morte de Paul, mas somente neste é que se observam as mais consistentes e interessantes (exceto pela capa tão famosa de Abbey Road, que também é muito interessante). A capa do Sgt. Pepper's seria, na verdade, uma sepultura; observe o arranjo em flores na parte inferior; o arranjo com flores em amarelo desenham o baixo Hofner típico do Paul, e disposto como se pertencesse a um canhoto, o que era o caso; no baixo, observam-se somente três cordas, e não quatro, o que representaria a falta de um dos 4 Beatles; o arranjo com flores em vermelho tem uma espécie de 'o' no final do nome 'Beatles', o que formaria a frase 'Be At Leso', ou seja, 'Fique em Leso', sendo que 'Leso' é o nome de uma ilha que fica perto da Indonésia, onde Paul teria sido enterrado (já vi traduções também em que 'Be At Leso' seria 'Descanse em Paz'); sobre a cabeça do Paul, há uma mão aberta (uma forma de abençoar os mortos), o que aconteceu anteriormente na capa de Revolver e que aconteceria posteriormente na capa do álbum das músicas do filme Yellow Submarine; na parte esquerda da capa, observa-se uma boneca segurando um carro, que seria do mesmo modelo do que Paul sofrera o acidente, e com o interior vermelho, o que representaria o sangue do desastre; embaixo do 'T' de 'Beatles' há uma pequena estatueta de Shiva, que seria um deus hindu da morte, e esta aponta para Paul; na bateria da capa, se for colocado um espelho cortando horizontalmente a frase 'Lonely Hearts', e for observada a combinação da parte de cima do espelho e do reflexo, formam-se duas expressões possíveis: 'one he die' (que se referiria à morte de um dos Beatles) ou ainda 'I One IX He ^ Die' (aqui, teríamos a data da suposta morte de Paul, ou seja, 'I One' seria 'onze', referindo-se a novembro, 'IX' é 'nove', referindo-se ao dia da morte, o acento circunflexo seria uma seta, que aponta exatamente para Paul, que seria aquele que estaria morto); na contra-capa do álbum, dois detalhes são muito interessantes: primeiro, todos os Beatles olham para a câmera, exceto Paul, que está de costas (teria morrido), e, no LP original, em que todas as letras estão impressas na contra-capa, o dedo da mão de George Harrison está apontando exatamente para a parte '5 o'clock in the morning', em She's leaving home, que teria sido a hora da morte de Paul; as letras de várias músicas do álbum fazem possíveis alusões à morte de Paul (em Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, há o verso 'so let me introduce to you the one and only Billy Shears', ou seja, 'Deixem-me apresentar o primeiro e único Billy Shears'; em Good Morning, Good Morning, há os versos 'nothing to do to save his life', ou 'nada pode ser feito para salvar sua vida', e ainda 'People running around it's 5 o'clock', ou 'Pessoas andando em volta às 5 da manhã', que teria sido a hora da morte de Paul; em A Day in the life, há os versos 'He blew his mind out in a car, he didn't notice that the lights had changed', ou 'ele estourou sua cabeça em um carro, ele não percebeu que as luzes - do semáforo? - tinham mudado'); ainda, dentro do encarte do álbum, há uma foto da banda em que se percebe uma insígnia no braço esquerdo do uniforme de Paul em que está escrito OPD, que no Canadá quer dizer Officially Pronounced Dead, ou seja, Oficialmente Considerado Morto.

Contra-capa do álbum (detalhe para o indicador direito de George)

Imagem do encarte do álbum (detalhe para o 'OPD' na manga esquerda do uniforme de Paul)

Imagem espelhada do nome 'Lonely Hearts' da bateria
   Bom, tudo isso é muito interessante, e, ao que consta, não aconteceu de fato; o que aconteceu de fato, e não é de forma alguma boato, é que este é um álbum eterno, muito bem trabalhado, que levaria a banda por caminhos mais complexos e uma imersão profunda no trabalho em estúdio. Este álbum mudou a história do Rock.
   É interessante como, andando pelas ruas de uma cidade, você vai se deparando com certos lugares, certos estabelecimentos, que possuem uma história da qual nada sabemos e, muitas vezes, na correria do dia-a-dia, nem nos interessamos em saber. Em uma rua aqui perto de onde moro atualmente, todos os dias ao ir para o trabalho, passo por um restaurante colorido, com tons em amarelo e lilás, que se chama Salt n' Pepper. Não tenho dúvida de que deve ser em homenagem a alguma coisa (um filme, uma música, uma história, um outro lugar, etc.); o fato é que, ao observar bem todos os dias esse restaurante, inclusive até já o tendo visitado, e com o seu estilo e suas cores, me veio à cabeça uma história que tem tudo a ver com o tema desta postagem. Os Beatles estavam um pouco desapontados com o fato de não conseguirem tocar suas músicas cada vez mais complexas nos shows ao vivo; assistindo ao Anthology, percebe-se o quanto foi desgastante tentar tocar Paperback Writer ao vivo (as vozes, a batida, a guitarra, tudo o que estava na versão em estúdio não atingia a mesma complexidade nas versões ao vivo). A partir de então, e cansados de serem reconhecidos como um grupo de jovens com músicas dançantes, e de tocarem para plateias que não se preocupavam com a música tocada, mas que só faziam gritar e se estasiar, os Beatles resolveram passar a se dedicar mais a músicas de estúdio, a trabalharem nas suas músicas cada vez mais complexas e em transmitir a maturidade que não se conseguia diante do público em virtude da limitação da forma como se podiam tocar músicas ao vivo na época. Voltando de um vôo da América do Norte, Paul e os demais integrantes da banda se encontravam com o empresário Mal Evans; num determinado momento do almoço, o empresário pergunta a Paul se este sabe o que significam as letras 'SP' escritas num frasco sobre a mesa, ao que Paul responde: - Of course I do; it's 'salt and pepper' (isto me vem à cabeça sempre que passo diante do referido restaurante)... Naquele momento, e do modo como saiu o som dessas palavras, Paul, que vinha pensando na ideia do próximo trabalho, teve o insight para a música tema do álbum; naquele momento, começava a desenvolver uma ideia em que cada integrante da banda deveria criar um personagem, uma espécie de alter ego, e assim fingir, durante as músicas do álbum, serem integrantes de uma outra banda... Tendo cunhado o termo Sgt. Pepper e meio que parodiando os nomes muito extensos de bandas que vinham surgindo naquela época na América, criou uma espécie de banda fictícia chamada Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Surgia uma espécie de álbum conceitual, embora isto não tenha sido o que de fato se observa nas músicas do trabalho em conjunto, mas a ideia estava lá no início da criação deste.
   Após 129 dias (e aproximadamente 700 horas) de trabalho, o oitavo álbum oficial da banda é lançado no dia 1 de junho de 1967 (só a título de comparação, o primeiro álbum dos Beatles, que foi o Please Please Me, levou em torno de 10 horas para ser gravado); o mundo do Rock nunca mais seria o mesmo. Está entre os melhores álbuns de todos os tempos em qualquer classificação ou revista que se procure por aí; foi o primeiro álbum de Rock a ganhar um Grammy de 'álbum do ano' em 1968 (foi nomeado para 7 prêmios Grammy e ganhou 4 deles). Com a ideia de personagens, ou alter egos, a capa é primorosa no que apresenta vários ícones nas mais diversas áreas, como escritores, músicos, estrelas do cinema e mesmo gurus indianos (a pedido do George, que se aprofundava na música e cultura indianas pouco antes deste álbum). Lá estão Marilyn Monroe, Bob Dylan, Jung, James Dean, Freud, Aldous Huxley, Edgar Allan Poe, Karl Marx, Oscar Wilde, HG Wells, Marlon Brando, Stuart Sutcliffe (o primeiro baixista dos Beatles, cuja vida é retratada no filme 'Os Cinco de Liverpool'), entre outros. John queria que estivessem ainda Adolf Hitler, Jesus Cristo e Gandhi, mas estes não foram incluídos por não terem sido aprovados pelos outros integrantes, empresários e diretores do grupo. Vestidos em uniformes militares, na sequência dos álbuns, o grupo apareceria com bigode pela primeira vez, o que demonstra talvez a vontade da banda em serem vistos como músicos mais maduros, e não mais os garotos do Yeah Yeah Yeah. Com este álbum, a banda passou a se dedicar seriamente ao trabalho em estúdio e foi abandonando as turnês cansativas.
   A primeira música do álbum, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, que é o próprio título do mesmo, foi escrita e é cantada por Paul. No começo percebe-se um barulho de pessoas conversando e prenúncios de uma banda que irá se apresentar num palco (obviamente, este barulho foi retirado de shows anteriores da banda, já que esta havia parado de sair em turnê). Esta música tem a ideia de apresentação da banda e do seu líder, Billy Shears. Foi gravada juntamente com a segunda música, With a Little Help From My Friends. Quando se ouve esta primeira canção do álbum, percebe-se um Paul empolgado, gritando muito e mostrando porque é o Beatle mais completo, atingindo agudos rasgados muito difíceis de se atingir. A base da guitarra e a batida, bem como os vocais no refrão, são muito bem trabalhados. Esta música tem a intenção de introduzir as outras canções do álbum no momento em que se prontifica a apresentar a banda fictícia. Foi tocada por George, Paul e Ringo em 19 de maio de 1979 no casamento de Eric Clapton com a ex-mulher de seu melhor amigo (o George), Pattie Boyd. No final, o coro anuncia, atingindo um clímax, a próxima música do trabalho. Deixo uma versão fantástica do Paul cantando com o Bono Vox, do U2, em 2005 no Live 8.


   A primeira vez que ouvi a segunda música, With a Little Help From My Friends, foi na abertura do seriado Anos Incríveis. Meu pai guardava uns CDs do Joe Cocker e a primeira música dele que ouvi foi uma versão magnífica, muito premiada e mais lenta, e bem mais longa, da música dos Beatles. Na versão do álbum, é cantada por Ringo, que é o Billy Shears anunciado. Esta canção foi uma das últimas em que Paul e John se sentaram e escreveram juntos. Muitos acham que esta música é sobre drogas, embora tenha sido sempre desmentido por John em suas entrevistas, afirmando se tratar da amizade acima de todas as outras coisas na vida... A ideia de álbum conceitual parece acabar com esta música e somente ser retomada na reprise da primeira música ao final do álbum. Uma nota interessante é que, como já divulgado em entrevistas, os primeiros versos deveriam ser: 'What would you do if I sang out of tune? Would you stand up and throw tomatoes at me?', mas Ringo disse que não cantaria isto pensando na possibilidade de ser atacado por tomates se algum dia viessem a cantá-la ao vivo. Obviamente, o segundo verso foi modificado para 'Would you stand up and walk out on me'. Seguem as versões original do álbum e a grande versão do Joe Cocker, que esteve no topo das paradas britânicas em 1968 (a versão do vídeo é uma eterna e belíssima apresentação no Festival de Woodstock de 1969).




   A canção seguinte é muito importante para todos os amantes dos Beatles. Lucy in The Sky With Diamonds é uma música do John e cantada por este na maior parte. Apesar de Paul ter dito em algumas entrevistas que obviamente foi inspirada no uso do LSD (LSD --> Lucy in the Sky with Diamonds), John  insistia em que foi inspirada num desenho de seu filho Julian; a Lucy que deu origem ao título da música foi Lucy O'Donnell (posteriormente Lucy Vodden), que foi colega de classe do filho de John. Numa entrevista de 1975, este disse que Julian veio um dia com um desenho sobre uma colega sua de turma chamada Lucy; no céu havia algumas estrelas e Julian chamou o desenho de Lucy In The Sky With Diamonds. As imagens que John relata na música parecem ter vindo do universo de Alice no país das maravilhas. Na música, George toca um instrumento onírico chamado tambura, que é um instrumento indiano semelhante à cítara; ele vinha estudando com o músico indiano Ravi Shankar, que é o pai de Norah Jones. Posteriormente, John afirmou que 'the girl with kaleidoscope eyes' viria a ser Yoko. O refrão também é muito bem trabalhado nos vocais, e a música toda é um marco da psicodelia. Perfeita!


   A quarta música, Getting Better, é muito empolgante. Diz-se que Paul teve a ideia desta canção enquanto caminhava com sua cadela, Martha; enquanto o sol começava a aparecer, ele pensou que estava se tornando melhor. No fim, trata-se de uma música que inspira otimismo e tem participações do John na letra. O sotaque britânico é muito bonito, com o geTTing beTTer apresentando com muita evidência o som do T, o que dá um certo brilho à voz da música. George também toca a tambura nesta canção. A melodia e a letra deixam esta como uma das músicas mais marcantes e fortes do álbum, com uma vibração cativante em toda a sua execução, ainda que destacada no refrão. Deixa marca entre as outras músicas do disco. Deixo as versões original e uma versão ao vivo do Paul.




    Em Fixing a Hole, Paul descreve um momento em que consertava o teto de sua fazenda na Escócia; ele disse que a música é sobre o buraco na estrada onde a chuva entra, uma boa e velha analogia. Alguns biógrafos afirmam tratar-se de uso de heroína, como na expressão 'getting a fix', mas isto são rumores (afinal, nem todas as músicas da banda precisam ter um significado misterioso e mensagens subliminares para serem interessantes). George afirmou que ficou enjoado de tanto ouvir Paul gravando os vocais desta música, e teve pouca participação na produção desta. É uma música bem trabalhada, mas que não se destaca entre as outras do álbum, tendo uma evolução tranquila e sem reviravoltas muito inesperadas.


   A próxima canção foi baseada numa reportagem que Paul leu no Daily Mail de Londres sobre uma garota que fugiu de casa, Melanie Coe. She's Leaving Home é uma música em que há um belo arranjo de cordas, o trabalho de voz é suave e foi a primeira vez em que uma mulher participou da gravação de uma música da banda (Sheila Bromberg, que tocou harpa). A garota da música tinha 17 anos quando fugiu de casa sem olhar para trás; depois descobriu que estava grávida do namorado e os pais, inicialmente, acharam que ela havia sido sequestrada, pois não entendiam como ela podia ter fugido, já que tinha tudo (carro, dinheiro, roupas), mas, segundo a própria Melanie, não amor... Na verdade, ela se sentia só todo o tempo. Os pais a encontram após 3 semanas e ela tinha tirado a criança (abortamento). É uma música suave e triste, muito bem arranjada e tocante. Está entre as melhores do álbum. Segue um vídeo feito por um fã. (Só para lembrar, é na letra desta música, para o primeiro verso, que aponta o indicador do George na contra-capa do álbum).


   Being For The Benefit of Mr. Kite é mais uma contribuição do John. É baseada num poster de um circo vitoriano do século 19. Nele, havia o Mr. Kite da música e várias conexões que se encontram no poster, como se a música sempre estivesse lá (isso é uma das coisas que fascina nos artistas; muitos criam coisas como se tudo já estivesse lá e ninguém houvesse notado anteriormente). No filme Across the Universe, a parte em que esta canção é tocada também se passa dentro de um circo, mas com muita psicodelia. George e Ringo tocam gaita nesta composição. Ainda, no álbum, a música iria vir logo após a música de abertura, mas na ideia do álbum conceitual preferiu-se colocar With a Little Help From My Friends. Segue o poster que inspirou John e duas versões da música (interessante como você parece voltar para a época e a situação de estar naquele circo).





Poster do Mr. Kite

   A oitava música, Within You Without You é mais uma do George inspirada na sua descoberta do leste, de todo o misticismo indiano que tanto o envolvia e o engrandecia. Nesta canção, nenhum dos outros integrantes participou da gravação; não há guitarra ou baixo, apenas a cítara e alguma percussão. Músicos indianos participaram da gravação. As risadas ao final foi ideia do George para tranquilizar o formato mais solene da música e retornar ao espírito temático do álbum. A versão original composta por ele (inspirada numa outra composição de Ravi Shankar) tinha em torno de 30 minutos de duração, mas esta versão foi reduzida bastante para a que foi gravada. O álbum iria conter ainda outra música do George, Only a Northern Song, mas esta acabou ficando de fora pouco antes do fechamento da produção. Segue uma versão da música.


   A próxima música, When I'm Sixty-Four, foi a primeira gravada para o álbum. Foi composta, e é cantada, pelo Paul. Este tinha apenas 15 anos quando fez a letra desta canção, tendo colocado o título em homenagem ao aniversário de 64 anos de seu pai. A letra trata da fidelidade ao amor; de forma rasa,  o personagem pergunta a uma mulher se ela ainda estará com ele quando ele estiver com 64 anos. A introdução com os metais dá um aspecto bem suave para a música, até engraçado, mas a voz do Paul cantando recheia a música com maestria e deixa a composição bastante agradável. Bela canção. 


 
   Lovely Rita é uma música que Paul escreveu em homenagem a uma guarda de trânsito (que era comum nos EUA, mas não na Inglaterra) chamada Meta Davies que o aplicou uma multa ao sair de um dia de gravação no estúdio Abbey Road. Em vez de ficar chateado, ele a homenageou nesta canção, que trata de uma pessoa que se apaixona por uma guarda de trânsito chamada Rita. Brian Wilson, do Beach Boys, disse em entrevista uma vez que esta era sua música preferida das compostas por Paul. Bem agradável de se ouvir.


   A décima primeira música, Good Morning Good Morning é uma espécie de brincadeira do John. Foi inspirado no muito que assistia de programas de TV (a expressão que dá título à música foi vista por ele em propaganda de cereais matinais). Os sons dos animais foi acrescentado numa sequência de modo que os animais que vinham depois deveriam ser capazes de comer o anterior (uma exigência de John). E a galinha do final se conecta com a próxima música, o que foi uma inovação da época (as canções que se misturavam, que continuavam nas seguintes, sem pausa). 


   A reprise de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, com um ritmo mais acelerado, e cantada por todos, exceto por Ringo, retorna a ideia do álbum conceito, e tem a função de iniciar a última e mais importante música do álbum, por muitos considerada a melhor dos Beatles, A Day In The Life. Para mim é, sem dúvida, a melhor de todo o disco, mas obviamente sem tirar o brilho da maioria das canções deste belíssimo trabalho. Na última música, uma orquestra com 41 componentes participou das gravações. Os músicos eram avisados para ir ao estúdio vestidos formalmente, mas uma vez lá, recebiam roupas no mínimo estranhas (falsos narizes, chapéus de festa, luva de pata de gorila, etc.), e eles percebiam que não iria ser uma simples sessão de gravação. Paul conduzia a orquestra, que tocou na segunda sessão da gravação da faixa. A música surgiu de um fato que John leu no Daily Mail; o herdeiro da Guinness, Tara Browne, um socialite, bateu seu Lotus numa van estacionada e morreu em 18 de dezembro de 1966. Paul contribuiu na letra com o verso 'I love to turn you on', uma clara referência ao uso de drogas. Existem dois clímax de orquestra que dividem bem o ritmo da música; o acorde final, foi produzido pelos 4 Beatles e o produtor George Martin tocando em 3 pianos simultaneamente; este acorde dura 42 segundos. O glissando em ascensão da orquestra e o som com força de trovão são reminiscências da 'Entrada dos deuses em Valhalla', da ópera 'O Ouro do Reno', a primeira das quatro do ciclo de O Anel do Nibelungo, do grande Richard Wagner. Um fato interessante é que após o acorde final, há um silêncio aparente mas que, na verdade, contém um tom de alta frequência que pode ser ouvido por cachorros, inclusive que os deixa irritados. O que se apresenta depois desse aparente silêncio é Paul dizendo 'Never could see any other way' com as palavras embaralhadas (na época do vinil, soava como se algo tivesse ido errado nas gravações). Um último fato é que esta é uma das pouquíssimas músicas do grupo em que o título não é dito na música (outro exemplo é Yer Blues). Enfim, esta canção é sempre muito inspiradora. A voz de John no início da canção é transcendental...


   Depois de 44 anos do lançamento desse grande disco, o guitarrista norte-americano Andy Timmons fez um álbum tocando TODAS as músicas do Sgt. Pepper's com sua guitarra fantástica. É um trabalho inspirador e você não consegue parar de ouvir música após música. É um trabalho que mostra o quanto o álbum de 1967 influenciou o Rock depois do seu lançamento e está fincado nos alicerces de muito da cultura ocidental que o sucedeu, haja vista ter influenciado muitas outras bandas e ter influenciado outras esferas da arte. É um trabalho eterno e que me inspira a cada dia. Traz lembranças de bons momentos em minha vida e me faz pensar como seria ter conhecido o álbum na época do seu lançamento, onde nada parecido tinha vindo antes e numa época em que não existia Internet, Smartphone, AppStore, o Cinema com toda a tecnologia que conhecemos hoje, os shows ao vivo sem o desenvolvimento acústico que temos nos nossos dias, etc. É difícil, mesmo depois de 45 anos de ter sido lançado, e de ter ouvido inúmeras vezes ininterruptamente, não se emocionar com as músicas e sua temática, com os pouco menos que 40 minutos de duração total do disco. Foram quase 40 minutos que marcaram os tempos que viriam. Só tenho a agradecer ao meu pai, a quem dedico integralmente esta postagem. E se você leu até aqui e acha que escrevi muito, lembre-se de que existem livros e mais livros sobre o assunto, e que o álbum durou algo em torno de 700 horas para ficar pronto, como dito anteriormente, e quase 1/3 de dias de um ano de trabalho; o pouco que deixo registrado aqui só mostra o poder que o disco exerce sobre a mente de cada um de nós. Esta foi apenas a minha forma de compartilhar algo, para mim, muito especial e marcante. Sem dúvida, eterno!!!
   Deixo alguns vídeos do disco do Andy Timmons e sua fantástica performance na guitarra; no fim do disco, ele ainda nos brinda com uma versão de uma música que quase entra no álbum dos Beatles, que é Strawberry Fields Forever, que viria no álbum do filme Magical Mystery Tour. Uma boa semana a todos.







sábado, 22 de setembro de 2012

A Morte de Ivan Ilitch

   Na correria do dia-a-dia, muitas vezes chego em casa tarde da noite e deixo o Mac na mesa do jantar ligado enquanto como alguma coisa. Tento assistir algo no notebook (um seriado, um filme), ler alguma coisa, escutar alguma música, etc.; mas, certas vezes, estou tão cansado que somente me preocupo em comer e pensar no que aconteceu ao longo do dia... Quando o aparelho está carregando, após alguns minutos de repouso, eis que se apresentam imagens belíssimas de locais paradisíacos na sua tela, imagens de praias perfeitas, céus e mares tão azuis e ao mesmo tempo transparentes que não se sabe se é céu e mar ou uma coisa só, e tudo em alta definição, com cores muito vivas e fortes... Em quase nenhuma das fotos da proteção de tela aparecem imagens humanas, somente a paisagem. Nesses momentos, imagino-me, como qualquer pessoa, acho, faria, como que me teletransportando para aqueles lugares que ficam passando, como seria bom ter um tempo para descansar e ficar o dia todo naquelas praias calmas e belas, ou, indo mais além, como seria bom passar um mês por ali, sem muita gente por perto dizendo para você como se deve fazer, como tem que ser, etc., etc., etc.. Mas, aí começo a me perguntar se isso tudo seria mesmo o melhor para mim para sempre ou o melhor naquele momento particular apenas; rapidamente vem a reflexão e a pergunta sincera: será que eu aguentaria ficar na beira do mar, morando numa casa de praia, longe de tudo e de todos, por algo mais que uns 3 meses, sem as mudanças do cotidiano para diversificar a mente e a alma, sem a família, sem pessoas especiais, sem alguém com quem compartilhar suas ideias, suas manias, sem bons restaurantes, sem belos projetos arquitetônicos, enfim, sem muitas coisas para diversificar... Aí vem uma constatação deveras importante: a mente clama por tensão entre coisas diferentes! Muitas vezes nos dedicamos a fundo em um projeto e, lá na frente, vemos que também precisamos de outras coisas, outros projetos, tentando alcançar um equilíbrio. O trabalho é um grande responsável por esta tensão; se não, vejamos: trabalho x família, trabalho x lazer (sair para passear, praticar algum esporte, aprender um instrumento musical, ler algo diferente, cinema), trabalho x férias (viajar), trabalho x saúde... Tem, ainda, a grande tensão de todos os tempos: dinheiro x felicidade (estamos sempre vendo textos, ideias, opiniões sobre este tema; insistimos que dinheiro não traz felicidade, mas não paramos de nos preparar para nos inserir no mercado de trabalho, não paramos de trabalhar, não paramos de correr para lá e para cá, buscando status em todos os sentidos; não percebemos que, na verdade, ambos são temas bem diferentes, e que uma coisa não depende da outra, e que não devem ser colocadas, assim, em tensão). Enfim, de repente você se vê com necessidade de vários projetos, mas constata, tristemente, que se quiser fazer algo bem feito, deverá se dedicar a, no máximo, uns 3 projetos na vida, não podem ser 15 ou 20... Mas você QUER os 15 ou 20 projetos... Bom, daí surge toda a tensão entre os desejos, entre o querer e o poder, tentando alcançar, como já descrevi, o equilíbrio entre os pontos. E, fatalmente, surgem as questões existenciais, que cedo ou tarde, não importa, chegará para todos nós: - De onde eu vim? - Onde estou? - O que estou fazendo aqui? - Para onde vou? Uma vez que você se faz estas perguntas, muito provavelmente, o resto de sua vida será uma busca incessante pela verdade, pelo que realmente importa, o tão buscado sentido da vida.


   Liev Tolstói (ou Lev Tolstói, ou ainda Leo Tolstoy) foi um dos maiores escritores de todos os tempos. Nasceu em 28 de agosto de 1828 em uma localidade a uns 200 km ao sul de Moscou chamada Yasnaya Polyana. Apesar de ter nascido em uma família aristocrática abastada, a morte visitou sua casa muito cedo: sua mãe morreu quando ele tinha 2 anos de idade (durante o parto do quinto filho) e o seu pai quando ele tinha 9 anos. Metendo-se no mundo e tendo várias experiências amorosas e algumas profissionais, estas vão influenciando o seu trabalho literário. A sua vida segue curso atribulado, mesmo após ter publicado, por exemplo, seu trabalho máximo universal, Guerra e Paz, em 1869, de modo que entre 1875 e 1878 vivencia uma crescente depressão e crise psicológica que influenciaram e alteraram sua filosofia e sua arte. Em um de seus trabalhos autobiográficos, Confissão, Tolstói escreve que a principal causa de sua depressão era a inabilidade de encontrar um sentido aceitável na vida humana. A inevitabilidade da morte o dominou, e todas as formulações sobre o sentido da vida pareceram para ele superficiais e sem valor. Desesperado, ele se voltou para o povo russo; ele percebeu que os camponeses sem educação possuíam uma concepção definida do sentido da vida, um conforto e uma segurança derivados de conhecimento irracional, de fé num Deus criador. Esta fé os resgatava do desespero e do sofrimento, infundindo bastante sentido em suas vidas. Confrontado com a escolha de uma fé irracional ou um desespero sem sentido, Tolstói escolheu a fé. Assim, o autor se engaja numa filosofia religiosa que serve de substrato para se compreender A Morte de Ivan Ilitch, que é uma das novelas mais importantes de toda a humanidade (ps: para o leigos, novela é uma obra literária de tamanho e complexidade intermediários, situando-se entre o que seria um conto, mais simples, e um romance, maior e mais complexo). Amor fraterno, ajuda mútua e caridade cristã são valores que se tornam essenciais para Tolstói na segunda metade de sua vida, emergindo como princípios morais dominantes nesta novela.
   O livro se inicia no final cronológico da estória. Um juiz e amigo de Ivan, Piotr Ivânovich, anuncia para um grupo de juízes que se encontra na casa daquele que o seu amigo morreu; consolados pelos pensamentos de que foi Ivan, e não eles que morreram, os homens do grupo não conseguem não pensar nas promoções e transferências que advirão desta morte. Vem o funeral e Piotr fica incomodado com uma expressão de desaprovação e alerta no rosto de Ivan; a esposa de Ivan tenta conversar com Piotr sobre a possibilidade de haver um aumento na pensão do marido, agora morto. Na saída do velório, Piotr encontra a cuidadora de Ivan, Guerássim, e menciona para ela a tristeza que foi a morte do amigo, mas Guerássim o surpreende com a observação de que todos irão morrer um dia. A partir daí, a estória volta mais de 30 anos no tempo e passa a contar aspectos da vida de Ivan, de sua vida no estudo do Direito, de seu casamento, de como este faz com que ele tenha que trabalhar mais para manter uma vida desejada pela esposa diante da sociedade e como isto o aproxima do trabalho e o afasta cada vez mais de sua família; discorre sobre a expectativa de uma promoção, que não ocorre. Ele fica furioso, sentindo-se injustiçado, e, em um determinado momento, viaja a São Petersburgo e acaba conseguindo um cargo que paga melhor que o anterior; enquanto preparava e mobiliava a nova casa em que iria morar com a família após o novo emprego, ele cai e machuca uma região do seu corpo próxima de um dos rins (o esquerdo); em princípio, o ferimento não parece sério e Ivan fica satisfeito com o aspecto final da casa. A partir deste momento na estória, Ivan passa a sentir um desconforto na região esquerda do corpo (próximo à lesão) e um gosto não usual em sua boca; o desconforto aumenta progressivamente e Ivan vai se tornando irritável e irascível, briguento. Os médicos que passam a atender Ivan tem opiniões as mais diversas sobre o problema e discordam na natureza e gravidade da doença, deixando Ivan deprimido e temeroso. A condição física de Ivan degenera rapidamente. Uma noite, enquanto sozinho no escuro, ele tem os primeiros pensamentos sobre a mortalidade, e isto o assusta. Então, passa a perceber que sua condição não é uma questão de saúde ou doença, mas de vida ou morte. A partir de então, passa a constatar toda a mentira que foi grande parte de sua vida, especialmente aquela parte da vida adulta, e somente lembranças muito antigas de sua existência fazem sentido. Tem um sonho que se repete de que está sendo puxado para um saco escuro. Depois começa a duvidar se viveu uma vida correta. Lembra-se do saco escuro de novo e percebe que sua grande agonia vem parcialmente do fato de querer entrar no saco e parcialmente de não ser capaz de entrar nele. Começa então uma descrição magistral dos momentos finais de sua vida, com direito a visão de uma luz  e a constatação por meio de uma expressão perfeitamente colocada: '- Então, é isto!'... '- Que alegria!' É tudo como se pouco antes do último suspiro de sua vida, ele, de repente, descobrisse o que realmente importa, o sentido supremo de tudo, e a vitória sobre a dor da morte, ou mesmo sobre a própria morte!

Lev Tolstói, 1828-1910

   Diante de tudo isto, A Morte de Ivan Ilitch pode ser vista como uma reflexão e uma elaboração dos conceitos filosóficos de um Tolstói convertido. A novela é uma resposta ficcional às questões que atormentaram Tolstói em meados dos anos 1870. Do momento de sua conversão até sua morte, o autor permaneceu ativamente engajado em expor suas crenças religiosas, tendo morrido em 1910 após aproximadamente uma década de constantes problemas de saúde.
   Na obra, alguns temas são muito evidentes, como o que seria a vida correta (há uma clara alusão ao que seria uma vida artificial, de mentira, de materialismo, interesse próprio, como a do próprio Ivan, sua esposa, Piotr e a maioria da sociedade ao seu redor, e uma vida autêntica, de piedade e compaixão, o que cultua a verdadeira relação interpessoal, representada, no livro, por Guérassim, sua cuidadora; a vida autêntica criaria laços e prepararia as pessoas para o seu encontro com a morte). Outro tema importante é o da inevitabilidade da morte; neste ponto, percebe-se que as atitudes de Ivan ao longo da vida vão mudando, o que permite que se mude a percepção sobre a morte, indo do terror desmedido à alegria suprema; quando se compreende e se aceita a morte e se reconhece a verdadeira natureza imprevisível da vida, atinge-se uma confiança, uma paz e uma alegria, que são possíveis mesmo pouco antes de morrer. Além destes, um tema que compartilha a ideia da vida artificial x autêntica é o da dicotomia vida interior x vida exterior; Tolstói descreve a existência humana como um conflito entre a vida espiritual e a vida física. No fim, a mensagem de Tolstói é bastante clara: a tarefa de cada indivíduo é reconhecer a dualidade do ser e, assim, viver de modo que a vida menos importante, a física, esteja em conformidade com a vida mais importante, a espiritual. Os motivos da obra (ps: motivos seriam estruturas recorrentes, contrastes ou dispositivos literários que ajudariam a desenvolver ou informar sobre os temas da obra) são apresentados de forma muito elaborada, como o da reversão (Tolstói reverte em vários momentos os conceitos de vida e morte, como quando Ivan aparenta estar crescendo com força, liberdade e status, na verdade ele está sendo reduzido a fraqueza, escravidão e isolamento), o da alienação (a vida física tem por característica a alienação; por exemplo, quando Ivan encontra uma situação ou relacionamento que não traz prazer à sua existência, ele se distancia dos mesmos; como, no início, Ivan não tem vida espiritual, ele é incapaz de ver as outras pessoas como indivíduos), o da contração do tempo e do espaço (com relação ao tempo, os primeiros quatro capítulos cobrem mais de quarenta anos da vida de Ivan, os próximos quatro capítulos cobrem vários meses e os últimos quatro capítulos cobrem um pouco mais do que quatro semanas da sua vida; com relação ao espaço, no começo da vida de Ivan, quando falando de sua vida profissional, há ampla mobilidade; quando adoece, ele passa a ficar limitado a um quarto de estudo; e, no fim da vida, ele não consegue sair de um sofá; de grande importância é o paralelo que tem essa contração do tempo e espaço, principalmente com relação ao tempo, e a vida espiritual, como que se tornando evidente para Tolstói que a vida não se limita do período em que se nasce ao período em que se morre, mas há algo após a morte, sugerindo uma eternidade), o da sociedade burguesa, o das referências de outras obras ou citações (por exemplo, quando Ivan é chamado de le phenix de la famille significando, metaforicamene, que ele é o membro da família com maior chance de ser bem sucedido; isto demonstra, na verdade, o renascimento espiritual de Ivan após a morte ardente causada por sua vida artificial), etc..
   Por fim, deve ser destacado o papel fundamental do saco negro profundo como símbolo. Se o saco é visto como um símbolo de morte, a ambivalência de Ivan se torna clara; ele tanto almeja o alívio da morte quanto teme ter que abandonar a vida. Mas, o fato de que ele escapa do saco antecipa que ele irá escapar do poder da morte. Entretanto, parece que o símbolo do saco negro deve ser analisado como operando em dois níveis; tanto quanto funcionando como um símbolo de morte, o saco também simboliza um útero, de origem da vida. A dor e o sofrimento que Ivan vivencia enquanto passa do saco para a luz remete à dor e trauma do nascimento para uma nova vida, como no parto. A dualidade desse simbolismo é essencial na estória. Na vida de Ivan, o que aparenta ser morte física é, na verdade, renascimento espiritual, enquanto sua antiga vida foi a causa da sua morte espiritual. Mas, as coisas não podem ser vistas como aparentam ser, e a ação deve ser entendida à luz do motivo da reversão: a vida de Ivan foi sua morte, e sua morte traz uma nova vida. Perfeito!!!
   Por tudo isto, e por nos ajudar a entender melhor o sentido da vida, a resolver um pouco melhor nossas tensões e também a sermos pessoas melhores (afinal, esse deve ser o papel da Literatura, posto que deve ser compreendido como vivências de outras pessoas para que possamos aprender com estas vivências a praticar coisas melhores em nossas vidas; os autores põem muito de suas personalidades quando escrevem, e a imaginação de suas obras tem sempre origem e fundamento em algo real em suas vidas, em alguma experiência que de fato aconteceu), esta é uma obra-prima de Tolstói que deve ser vista, revista, guardada, compartilhada e aplicada. Boa semana a todos!
   
   

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Prólogo!

   Olá a todos. Meu nome é João Paulo, sou médico Cardiologista e nas horas vagas mergulho profundamente em temas artísticos. Iniciarei este blog com a ideia de discutir assuntos relacionados a gostos pessoais, muitos deles universais, outros muito particulares, e de forma muito parcial. Os temas e conteúdos aqui expostos não terão como objetivo discussões e críticas imparciais, de cunho jornalístico, com várias posições sobre os assuntos, sobre quem os defende ou sobre quem os ofende! 
   Terei um enorme prazer em discorrer sobre aquilo que me faz viver uma vida mais suave e condescendente, que me dá um grande gosto em pesquisar e compartilhar, sempre com o objetivo de acrescentar algo e que possa fazer as pessoas que por aqui passarem se iniciar no assunto ou terem um conhecimento a mais sobre o tema. Assim, os diversos assuntos serão restritos a Música, Literatura, Cinema e Artes Plásticas
   Tentarei ser bastante constante, sem saltos ou exposição de conteúdos de forma verborrágica, sufocante, mas também sem deixá-los tão superficiais que não possam atrair qualquer indivíduo que queira saber um pouco mais sobre o assunto. Desculpo-me, desde já, por não ter intenção alguma de colocar, ao final de cada exposição, notas sobre as fontes; uma coisa que me impulsionou sempre em tudo o que faço até hoje é a busca persistente e responsável da verdade, e todo o conhecimento que será exposto virá de várias fontes muitas da quais frequentemente farão parte de aprendizados incorporados ao longo de minha existência, de minhas leituras, mesmo antes de existir a internet como hoje a conhecemos.
   Vivemos numa sociedade em que, a cada dia, procuramos sentido para aquilo que fazemos, e muito do que desejamos estudar ou nos dedicar como hobby demanda um tempo e um esforço muito grande, mas que acaba, de uma forma ou de outra, surgindo como consequência da nossa constatação de que a arte faz parte da vida e representa vivências que nos ajudam a entender nossa própria existência.
   Enfim, pretendo com a análise dos assuntos aqui abordados (lembrando, mais uma vez, de forma muito subjetiva e parcial) fazer chegar a outros mundos, outras cabeças, aquilo que me fez refletir sobre algo importante na vida em algum momento, sobre aquilo que me impulsiona diariamente ou sobre aquilo que, em um efêmero momento, me causou um arrepio tremendo, como que imitando o que talvez chamemos de felicidade, embora esta, em minha humilde visão, deva ser algo constante e duradouro, ainda que permitindo momentos de maior realce. Embora seja muito difícil representar em palavras sensações e emoções, como amor, ódio, felicidade, saudade, etc., haja vista a dificuldade que é se encontrar uma definição acabada e reta destas, isto vem sendo tentado desde sempre pelo ser humano... Não pretendo ser aquele iluminado que saberá guiar o mundo, mas creio poder ajudar de alguma forma, e falar daquilo de que gosta com a ideia de compartilhar para causar uma mudança para o bem e que pode dar rumo a muitas vidas que se arrastam por caminhos sinuosos, é algo que considero muito nobre, e merece todo o esforço.
  Concluo esse preâmbulo com uma frase que me ajuda a refletir como a vida deve ser a cada dia: 

"Rather than love, than money, than fame, give me truth." (Henry David Thoreau)
 

sábado, 15 de setembro de 2012

A Noite Estrelada (Starry Night)


   Muitas pessoas passam por este mundo de forma avassaladora, vivendo suas vidas de forma muito intensa, mesmo que muito introspectivamente. O grande artista plástico holandês Vincent Willem van Gogh (1853-1890) ficou muito famoso postumamente por sua originalidade nas pinceladas pós-impressionistas; o seu amarelo (cor que sempre o fascinou) e o seu azul são simplesmente indescritíveis em palavras; diria que são imediatamente cativantes. Nos últimos anos de sua vida, pintou uma das telas mais impressionantes de todos os tempos, em minha humilde e modesta opinião: A Noite Estrelada (Starry Night), 1889. É um quadro tão onírico que é impossível alguém o contemplar sem querer tentar descobrir o que se expressa com tamanha originalidade, jogo de cores e pinceladas com traços ondulados e retificados em contraste. 
   
Starry Night, 1889

   Esta tela tem 73 x 92 cm em seu formato original e se encontra no Metropolitan Museum of Modern Art, New York (USA). Foi pintada no penúltimo ano de vida do artista, que se encontrava num sanatório em Saint-Rémy-de-Provence (França), onde se internou voluntariamente. Esta cena representa uma possível visão que tinha desta localidade. Um fato curioso é que van Gogh sempre pintou observando a natureza diretamente, enquanto esta obra foi desenvolvida com dados de memória, e não contemplando a natureza diretamente, daí as referências místicas a que remete o fabuloso céu representado. Dizem que ele certa vez comentou: 'Eu confesso não saber a razão, mas olhar as estrelas sempre me faz sonhar', o que demonstra o fascínio que a noite exercia sobre sua mente atordoada; o seu espírito tinha necessidade do religioso, e suas crises de depressão no final da vida levaram suas telas a apresentar um novo caráter, com temas noturnos. 

Cafe Terrace at the Night, 1888
   Em Arles (França), em 1888, portanto um ano antes, pintou duas outras telas primorosas com o tema noturno: Terraço do café na praça do Fórum (Cafe Terrace at the Night) e Noite estrelada sobre o Ródano (Starry Night over the Rhone), estes apresentando uma fusão da natureza com um aspecto não evidente em A Noite Estrelada, que são a presença humana na imagem. As estrelas e a tensão amarelo x azul sempre estiveram no cerne da obra desse grande artista.

Starry Night over the Rhone, 1888
  É possível que van Gogh acreditasse que A Noite Estrelada fosse capaz de satisfazer Paul Gauguin (1848-1903) porque era mais artificial e se afastava de sua realidade; mas, Vincent, diz-se, não estava satisfeito com a obra porque nunca se sentia contente com pinturas que o aproximavam daquele outro artista... Mas, isto é uma ironia, porque esta belíssima obra foi um marco na carreira do eterno van Gogh
   A tela é tão absorvente e forte que transmite uma sensação brilhante e apagada ao mesmo tempo, com estrelas similares ao sol. As estrelas, que são onze no total (acredita-se até que tenha referência com a Bíblia, no Gênesis 37:9, que relata a história de José - 'Ele teve ainda outro sonho, que contou a seus irmãos. Ele disse: "Tive ainda outro sonho: pareceu-me que o sol, a lua e onze estrelas se prostravam diante de mim."'), definem-se por seu brilho, submergindo num redemoinho de intensa luz, obtido com pinceladas amarelas e brancas, gerando uma sensação de que as estrelas oscilam num firmamento tingido de azul; alguns dizem se tratar da constelação da Ursa Maior. A lua, com a forma de um desproporcional e imperfeito quarto minguante alaranjado, surge fora do centro, em meio a um intenso resplendor, que se estende pela tela como ondas; isto transmite uma sensação de liquefação à tela. O elemento central em espiral gigantesco no firmamento cria uma sensação de vertigem sufocante e ameaçadora; por meio dessas espirais repletas de traços luminosos, acredita-se que o artista tenha criado uma representação estilizada da Via Láctea. O povoado, pequeno, intimidado e próximo do espectador, ocupa o terço inferior da tela; poucas pinceladas em amarelo indicam que há luzes acesas no interior das casas, como que uma humilde resposta à apoteose de luz do céu estrelado; somente o pináculo da torre da igreja surge como um desafiante e, ao mesmo tempo, frágil vínculo entre o céu e o homem. O vale de Saint-Rémy-de-Provence é representado recebendo uma gama de azuis combinados, com tons escuros e reflexos. À direita, sob o luar, alguns reflexos dourados indicam a presença de um milharal. À esquerda, a monumental e escura silhueta dos flamejantes ciprestes em verde, vermelho e manchados de amarelo contrapõem-se à luminosidade do céu e proporcionam, exceto pela sinuosidade de suas linhas, um senso de controle, de eternidade, e criam um efeito de profundidade. Perfeito!
   Num grande exercício de imaginação, um internauta tentou representar que imagem real pode ter influenciado o artista naquela noite. Esta criação é incrivelmente transcendental, arrebatadora.

Starry Night tribute, by The Professor
  Sensações as mais diversas são plenamente possíveis ao se observar esta grande obra deste imortal artista, atormentado durante sua vida e que somente vendeu um quadro enquanto corpo vivo; enquanto alma, espalhou-se pelo mundo e sedimentou culturalmente toda a sua época para a posteridade. Inspirou artistas em várias formas de expressão; na música, o cantor e compositor americano Don McLean, inspirado na tela, escreveu e musicou a belíssima canção Starry Starry Night.


   Enfim, é uma obra que é capaz de levar inspiração para muitas formas de arte, sendo ao mesmo tempo representativa de um momento muito sublime e particular altamente íntimo na mente de uma pessoa capaz de observar com respeito, calma, tenacidade e amor a beleza da natureza, altamente introspectivo, mas que transcende para o eterno, para algo grande, amplo, externo, como é o céu, suas estrelas e a lua. Como influência onírica, e transmitindo uma sensação de movimento em seus traços ondulados, em minhas pesquisas pela internet, descobri um programa para iPad que tem esta obra com uma música de fundo (podendo ser escolhida entre três possibilidades) com os traços em movimento, dando uma sensação de vida à tela sem igual, e que é interativa, permitindo algumas modificações interessantes no sentido do movimento e que dão um efeito indescritível; vocês precisam ver. Deixo o vídeo abaixo que demonstra o programa. Incrível! Boa noite a todos, e que este quadro possa inspirar vocês em seus sonhos como inspira a mim.




   
   
 





domingo, 9 de setembro de 2012

Intocáveis (Intouchables)

   O filósofo francês Louis Lavelle, em seu livro O Erro de Narciso, dedica um capítulo a vocação e destino; na primeira parte deste capítulo, ele faz uma bela análise da diferença entre os espíritos. Segundo ele, "é difícil harmonizar extensão e profundidade. Alguns só têm olhos para o espetáculo do mundo, têm necessidade que ele se renove indefinidamente sob seus olhares e admiram, sem fatigar-se, com a sua variedade e novidade. Porém têm com ele somente um contato superficial: é suficiente que o mundo mantenha a sua curiosidade acordada e povoe de imagens os seus espíritos, que somente procuram escapar da solidão. Outros permanecem sempre no mesmo lugar. Atêm-se sem cessar aos mesmos pensamentos, cavam indefinidamente o solo onde nasceram e ao qual permanecem ligados. Desviam-se das planícies que o sol ilumina e que a chuva rega e procuram, no lugar onde estão, uma fonte subterrânea na qual possam beber. Como é difícil e como seria desejável poder reunir a extensão e a profundidade, seguir todos os caminhos onde a vida nos coloca sem nos afastar jamais do ponto onde ela surge." 

   O filme francês Intocáveis, que tem a maior bilheteria da história do cinema francês, é um filme maravilhoso. Apesar do apelo a que os personagens possam remeter ao se saber de suas posições, este é um filme em que predomina o tema extensão (no sentido de superficialidade) sobre a profundidade. É um filme que consegue ser cativante sem ser melodramático demais, senda que poderia ser seguida facilmente em películas como esta. Assim, não deve ser encarado como um filme com profundo engajamento social. Retrata mais a tensão necessária entre os opostos em nossas vidas do que a solidão e sofrimento que pode decorrer de ironias que recheiam estas vivências.
   Inspirado em fatos reais, retrata a tragédia na vida do bilionário Philippe Pozzo di Borgo, que, ao sofrer um acidente de parapente, torna-se tetraplégico, com necessidade de cuidados em tempo integral em sua mansão que mais parece um palácio, e a amizade dele com o argelino Abdel Yasmin Sellou. Inspirado nestas memórias, o rico Philippe (François Cluzet) está procurando alguém para cuidar dele em sua residência, e acaba contratando o ex-presidiário Driss (Omar Sy), um imigrante senegalês que vive na periferia de Paris com meios-irmãos e uma tia. O filme tem uma forte temática de comédia, não raro extraindo fortes gargalhadas de quem o assiste, apesar dos temas que poderiam seguir, como já comentado, por caminhos mais penosos. Isto é mérito dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano, que criaram um roteiro em que o que importa é a relação entre os dois personagens principais, e não a profundidade dessa relação, no mais puro sentido filosófico budista, em que a percepção das coisas deve ser mais importante do que a concepcão que se faz delas, ou seja, não deve haver julgamentos. 


   Muitíssimo interessante no filme é a constante interseção das qualidades opostas, como que remetendo a um equilíbrio tão necessário em nossas vidas. Assim, um dos dois personagens principais é branco, o outro é negro, um acha que música de verdade é a erudita, a clássica, o outro acha que música de verdade é aquela em que se dança, um é mais clássico, o outro mais moderno, um admira arte abstrata, o outro não entende como se paga tão caro por esta arte sem valor. E o que é interessante no filme é que Driss está sempre brincando com as situações, no mais puro deboche, muitas vezes até de forma inocente, e isto é o que procura Philippe, ou seja, alguém que o trate bem ou mal, mas não por causa de sua deficiência. No início do filme, muitos pseudo-humanistas vão em busca do emprego, mas justamente o que não o procurava, o Driss, é quem é convidado a ficar com ele. 
   As reflexões sobre os temas do filme são muitas: seria o filme sobre amizade, sobre inocência, sobre servidão, sobre companheirismo, sobre reaprendizado, sobre bondade? As visões podem ser muitas. O fato é que a fotografia e, principalmente, a trilha sonora são impecáveis. Várias cenas no filme são, como se poderia dizer, emblemáticas: uma das mais bonitas é quando Driss é apresentado à casa antes de começar a trabalhar e entra no banheiro do seu quarto - tudo é branco, brilhante, e toca uma das passagens mais bonitas da Ave Maria de Schubert. Esplêndido! As cenas das músicas do Earth, Wind and Fire também são primorosas, tanto a cena inicial, com September, quanto a cena em que Driss dança no aniversário de Philippe ao som de Boogie Wonderland. São cenas contagiantes. As cenas com o mar, mais para o final, são indescritíveis.
   As cenas hilárias são constantes ao longo de toda a película, e a que mais me fez rir foi quando, ao assistir a uma ópera (Der Freischütz, o Franco-Atirador) de Carl Maria Von Weber, famoso compositor alemão, Driss começa a rir de forma escandalosa no teatro, e Philippe ri junto, quando um dos cantores começa a atuar no papel de uma árvore; maior risada vem quando Driss descobre que a ópera vai durar 4 horas. Demais! 
   Apesar de pertencerem a mundos diferentes, em um momento, na primeira metade do filme ainda, aparece Driss em seu bairro fumando com uns colegas, mas parecendo meio destacado do meio, como se ele não tivesse vivido uma vida frívola e descuidada, guardando um conflito com sua família que ele descreve melhor em um momento posterior do filme, e esta cena mostra que os dois personagens principais vivem dois espectros da mesma solidão. Mas, não é por aí que o filme se desenvolve, como já comentado.
   Enfim, é um filme estupendo e que merece ser visto, comprado e revisto várias vezes. Tem uma reverberação em nós que faz realçar um sentimento de amizade e bondade que deve estar sempre em alta em nossas motivações. O Oscar Francês, o César, premiou Omar Sy como melhor ator este ano, ganhando de Jean Dujardin, do muito premiado filme O Artista. E, como a ideia é sempre acrescentar algo, deixo um vídeo de uma dupla de orientais que se denomina Our Rendition no YouTube cantando September, do Earth, Wind and Fire, em uma bela versão acústica. Um abraço a todos.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Definitely Maybe

   Olá a todos! Bom, começando com algo muito consistente com meu gosto musical (acho que não poderia começar com algo diferente), esta semana tratarei de apresentar para aqueles que ainda não o conhecem o primeiro e mais histórico álbum de uma banda que marcou muito a minha vida, o Oasis. O álbum Definitely Maybe, lançado na Inglaterra em 30 de agosto de 1994 (pouco depois da Copa do Mundo do tetra), é um daqueles poucos álbuns em que todas as músicas são muito importantes na carreira da banda; é muito fácil gostar de qualquer uma das músicas tocadas ao acaso.

Capa do álbum ´Definitely Maybe´

   O grupo surgiu em Manchester, na Inglaterra, em 1991; no início, a banda era chamada de The Rain (em homenagem ao b-side dos Beatles chamado de Rain) e Liam Gallagher tinha acabado de se tornar o novo vocalista. Quando Noel Gallagher, seu irmão mais velho, entrou na banda, exigindo ser o principal letrista e guitarrista, a banda passou a se chamar Oasis (mas este nome foi dado por Liam, e não por Noel; só como detalhe, antes deste fazer parte da banda, Liam era o principal compositor da banda, e isto começou a ser resgatado já no Oasis a partir do quarto álbum de estúdio, chamado Standing on the shoulder of giants).


   Já se passavam 3 anos da nova formação, portanto, quando o álbum Definitely Maybe foi lançado. Foi lançado quando 3 de suas músicas já tinham sido divulgadas como singles (Supersonic, em 11 de abril de 1994, Shakermaker, em 13 de junho de 1994, e Live Forever, em 8 de agosto de 1994). Ao ser lançado, essa obra-prima se destacou imediatamente nos meandros da história, especialmente por dois motivos: foi o álbum de estréia mais rapidamente vendido de todos os tempos na Inglaterra em sua época de lançamento, e foi uma contraparte do rock britânico ao estilo que vinha prevalecendo no meio do rock mundial, o grunge; a partir de então, o rock do Reino Unido estaria em constante ascensão novamente, e o grunge, prevalecendo nos EUA, começava a perder peso. Lendo sobre os bastidores da produção do álbum, descobri que este quase não foi lançado por vários problemas com produtores; nas últimas, meio que como por milagre, o álbum foi produzido e lançado para o mundo, para mais longe até, para as estrelas! Isto leva a uma reflexão muito importante: muitas vezes, muitas mesmo, a diferença que existe entre você conquistar aquilo que deseja demais após um longo esforço, e que faz tudo fazer sentido pra você, é muito pequena, algumas vezes quase nada.


   O álbum é fantástico por vários aspectos, desde a capa clássica, com tons em azul e amarelo que lembram um quadro de Van Gogh, até o conteúdo altamente cativante de suas músicas, tanto em termos de letra como de melodias, estas que não saem da cabeça de quem as escuta. A primeira música, Rock 'n' Roll Star é a preferida do Noel, como ele sempre diz em entrevistas que faz; segundo este, é uma das poucos músicas do grupo em que ele realmente quer dizer algo para quem o ouve, e não algo introspectivo... Ao ouvir a música e fazer uma meditação sobre o tema, é como se você de repente se tocasse e pensasse: 'Puxa, como ninguém disse isso antes?'. É uma perfeita música de puro rock 'n' roll, que seria fantástica como estréia em qualquer álbum de grupos de rock; imaginando como música de abertura de um show ao vivo deste estilo, não pode haver nada melhor! Ao ouvir pela primeira vez a distorção da guitarra do Noel e aquele sotaque britânico do Liam altamente inspirado no John Lennon (aquele mesmo; o único), com sua postura ao microfone altamente original e característica, a experiência é fascinante. Veja o vídeo, viaje junto com o texto! hehe 


   A seguir, vem uma música que não chama muito a atenção numa primeira audição; algumas vezes ouvindo, e ela passa a fazer parter rapidamente do Hall of Fame de todas as outras do álbum: Shakermaker. É uma música que, quando menos se espera, vai ficando presa na sua mente; várias vezes você se pega pensando nela após ouvi-la e conhecê-la. Fica bem mais interessante a partir do verso 'I'm sorry but I just don't know'. Uma única crítica a essa música, mas que não tira um mínimo lustre da mesma, é que ela lembra muito uma outra canção de 1971, de um grupo chamado New Seekers, que foi gravada com o nome de I'd like to teach the world to sing... É muito parecida! E um último detalhe, é que os dois últimos versos da música (Now he stops at traffic lights / but only when they're green) foram criados quando Noel se dirigia ao estúdio num táxi para gravá-la com a banda.
   A próxima música é uma das mais executadas do grupo em todos os tempos e performances ao vivo. Com um apelo altamente jovial e sentido de eternidade, é uma canção cativante, daquelas que se canta com força, elevando-se a cabeça para cima, com os olhos fechados, o coração na cabeça e a cabeça nas nuvens... Dizem que a melodia é baseada em uma canção dos Rolling Stones, chamada Shine a Light, do álbum Exile On Main Street. Remetendo a imagens da infância dos dois irmãos, como em 'Maybe, I don't really want to know... How your garden grows...', segundo Noel, essa é uma daquelas canções para se ouvir quando você estiver meio descontente com a vida, enquanto em um momento de má sorte... Ainda, Noel disse a ter escrito em um momento em que o Grunge estava em alta e que ele estava cansado de ouvir as pessoas somente dizendo que se odiavam e quererem morrer. Virou realmente um hino para todos os fãs do Oasis, e tem uma parte eterna no mundo do Rock, que é o seu absurdamente fantástico solo... Soa como algo transcendental nos ouvidos mesmo de pessoas pouco iniciadas no mundo da música. Esta, sem dúvida, está no top 5 das músicas da banda. E, para registrar, foi essa a música que, ao ser apresentada ao Liam, permitiu que o irmão mais velho, o Noel, pudesse entrar de vez na banda e impulsioná-la a galáxias muito distantes...


   Seguindo adiante, vem Up In The Sky, que é uma canção que, para os que não são fãs do grupo, se descobre depois, e deixa uma sensação verdadeira de: - Puxa, como não tinha me interessado por essa música antes? Como muitas músicas do Oasis, o início remete imediatamente aos ilustres Fab Four, mais especificamente à Ticket to Ride, mas, basta que se inicie a bateria e logo se percebe que é uma canção com vida própria, e com um andamento muito empolgante... A letra é bastante discutida no meio do Rock... Alguns dizem que demonstra alguém usando droga pela primeira vez (mais particularmente a cocaína), outros que é uma canção sobre egoísmo. Para o Noel, é uma canção sobre figuras vigentes na Inglaterra da época (1994) e que ele não tinha ideia de como as pessoas as estavam sentindo, e ainda remete aos tempos dos Beatles de 1966. É uma daquelas músicas que dão uma grande reviravolta na estrutura no refrão, tornando-a especial dentro do álbum... Observe quando chega a parte em que se diz: "You'll need assistance with the things that you have never ever seen / It's just a case of never breathing out Before you've breathed it in"... Demais!!! Outro destaque é para o puro sotaque britânico, como em: Well that's too BAD (veja - BÁD, e não BÉD... hehe). Legal!!!



   A próxima faixa é uma também não tão conhecida pelos não fãs... A altamente original Columbia! É a preferida do antigo guitarrista base da banda (na época dos 3 primeiros álbuns, era ele junto com o Noel) para tocar no palco: o Bonehead. O dueto no refrão entre os dois irmãos é viciante. Foi escrita em homenagem ao Hotel Columbia, em Liverpool, em que a banda ficava hospedada e no qual passou a ser barrada depois. Inicialmente, seria instrumental, mas o Noel resolveu acrescentar-lhe uma letra antes de gravá-la. As guitarras cheias e o som sujo da música a fazem uma grande canção de puro Rock. A batida e a levada da música dá ideia de um continuum infinito, um molto perpetuo, como algo que não vai acabar, mas que não sai da sua cabeça. E, por curiosidade, se você observar bem a letra, parece relatar uma experiência com cocaína... O fato de a canção se chamar Columbia representa somente o local em que aconteceu a experiência.


   Ah, agora a próxima canção... A próxima canção merecia, ela sozinha, uma postagem neste blog... É uma música tão fantástica, tão primorosa, que tem várias etapas muito bem definidas e todas são dignas dos Campos Elíseos!!! A música é demais! Apresento-lhes Supersonic. A batida da bateria junto com a palheta deslizando pela corda mais grave do corpo para o braço da guitarra no começo já é um início que faz você ficar envolvido com a música; a seguir, vem o lick inicial distorcido de forma pesada e um pouco suja e a voz inconfundível, com o sotaque britânico carregado, do Liam. O segundo verso, I can't be no one else, tem um CAN'T tão britânico e que atrai tanto que depois disso só queria ler e falar inglês no estilo da Inglaterra, e não do Americano.... hehe. A música segue com uma levada magistral até o refrão INDESCRITÍVEL! Esta é uma parte muito viciante... Representa demais a minha vida adolescente da época! O solo tocado enquanto Liam canta parece uma conversa entre a voz e a guitarra! E o melhor vem com o solo a seguir... Simplesmente demais! A pentatônica é tão bem aplicada que esse solo é eterno (assim como o de Stairway to heaven, do Led Zeppelin; para mim, o melhor solo de guitarra de todos os tempos... Aliás, esta música irá ganhar, sem dúvida, uma postagem neste blog... hehe). Diversas versões surgiram: acústicas, ao vivo, remixadas... Você vai encontrar uma levada mais lenta, uma nem tanto e outras mais rápidas... Estas mais rápidas puxam você para dentro dela! Sabe do que mais: dizem que o Noel a compôs em apenas um dia; pensar nisto, para mim, é definitivamente sensacional! São por estas e outras que ele é um ícone no Rock and Roll. Um ídolo sem dúvida! (Aliás, em arte é sempre assim: nunca se deve confundir o homem com o artista; o Noel pode ter vários defeitos, como qualquer um de nós, mas isto não tira o seu brilho artístico sob nenhuma hipótese! Devemos, acho, sempre pensar assim com relação a estas pessoas!) Um detalhe interessante é que o Noel escreveu as canções dos 3 primeiros álbuns do grupo (os melhores, sem dúvida) sob forte efeito da cocaína (nas suas palavras: the old Colombian marching gear); ele achava que deveria voltar a ela depois em sua vida para voltar a criar álbuns brilhantes como os primeiros... Mas, resolveu que a vida é mais importante! A letra é uma das mais nonsense da história do Rock, e o seu riff de guitarra um dos mais viciantes; arrisco-me mesmo a colocar o riff ao lado mesmo das de músicas como Smoke on the water, do Deep Purple; ambos são demais viciantes! Enfim, uma habitante dos Campos Elíseos do Rock! Vou colocar o vídeo do clip original abaixo, mas a seguir, colocarei uma versão ao vivo para que se comparem as versões (ao vivo, fica mais energética).






   Bring it on down é uma música menos executada nos setlists do grupo, mas é uma música com um apelo de revolta, guitarras distorcidas, som sujo, e com um sotaque britânico de tirar o fôlego mesmo aos ouvidos menos iniciados! Fala, também com a influência de drogas e aquela coisa toda, de seguir adiante independente da sua situação atual; é mais ou menos como o Oasis no início da carreira, ainda por baixo na mídia e no mundo da música. Ia ser o primeiro single a ser lançado, mas aí o produtor do álbum, Alan McGee, ouviu Supersonic, e aí ele resolveu mudar o primeiro single! hehe Boa escolha! Apesar do exposto, Bring it on down é uma música que é preferida de muitos fãs da banda! É uma excelente canção, sem dúvida! A versão ao vivo abaixo é simplesmente fantástica!!! Não duvidem disto! hehe




   A seguir, uma outra obra-prima do Rock clássico: Cigarettes and Alcohol! O título diz tudo! É bem diferente das músicas do grande Renato Russo, por exemplo, em que o título é algo, muitas vezes, diferente do conteúdo da música! Aqui, o título é o tema! Em uma entrevista, uma vez, o Noel declarou que o conteúdo de muitas músicas do álbum era um apelo ao grupo, como deixar Machester e atingir o apogeu do brilho do sol, com muita bebida e droga pelo resto de suas vidas (componentes da banda)! É bem assim mesmo! Mais uma prova da posição do álbum diante do mundo do Rock and Roll! O riff do início é uma cópia escancarada do clássico Get it on, do T-Rex... O Noel nunca negou isto, e acrescentou que estava estudando riffs clássicos e antigos para adaptá-los em suas músicas. No final, a música faz grande referência às noites de farra na Inglaterra; pura e simplesmente! A versão abaixo é o clip original; a seguir, está uma versão ao vivo que se não fizer você pular da cadeira, é porque você deve estar muito doente! Ver a multidão cantando com o grupo a letra inteira da canção não tem preço! Fantástico!







   Digsy's Dinner é uma música com uma melodia muito agradável, mais suave, e que surgiu de uma brincadeira no estúdio entre os componentes da banda e um amigo deles, Digsy, que inclusive tinha uma outra banda. A canção é meio nostálgica na letra, relatando um encontro em um jantar na casa de um amigo. Representa simplesmente o que se está dizendo, sem referências metafóricas ou coisas do tipo. A execução é tocante! Outra pérola!




   A canção seguinte é magistral! Noel afirmou que foi convidado a lançar um 5º single do CD com esta música, a brilhante Slide Away, mas se recusou a lançar porque achava ridículo um álbum de estréia ter 5 singles... hehe Demais, não? Esta é uma música romântica, mas sem ser balada! É Rock, e dos bons! Noel ganhou inspiração para escrevê-la com sua namorada na época, Louise Jones, com quem ele viveu por 6 anos. Foi um relacionamento conturbado, cheio de brigas e separações. Um detalhe sobre a música é que Noel diz que é a melhor performance de Liam nos vocais em todas as músicas do Oasis. É uma música viciante também, ideal para casais! O refrão tem uma letra cativante: "Now that you're mine, We'll find a way of chasing the sun... Let me be the one that shines with you, in the morning, we don't know what to do... Two of a kind, We'll find a way to do what we've done... Let me be the one tha shines with you, and we can slide away". É como alguém dizendo 'Vamos fugir para bem longe' para você! Hehe Belíssima música! Após a versão de estúdio, abaixo, segue uma grande interpretação acústica do guitarrista, o ícone Noel! Sensacional!






   A última música foi a primeira que conheci deste álbum. Como muitos fãs do Oasis, comecei a conhecê-los pelo segundo álbum, o What's The Story (Morning Glory), com a premiadíssima Wonderwall. Depois que conheci Married With Children fiquei tão fascinado com a música que quis conhecer tudo sobre o Oasis, e assim me tornei um fã dedicado da banda! Esta canção é uma versão acústica tão interessante e gostosa de ouvir que é impossível não ficar tocado por ela... Também surgiu do relacionamento de Noel com sua namorada na época, a já comentada Louise Jones. O verso "Your music's shite, it keeps me up all night" é dela, e o Noel colocou na música. A parte final, em And it will be nice to be alone for a week or two... é demais! No mais puro estilo voz e violão, esta música alçou fãs no mundo todo, e fecha o álbum de modo majestoso! Uma verdadeira obra de arte!



   Enfim, o primeiro álbum do Oasis, o Definitely Maybe, é uma obra tão importante para o mundo do Rock que ainda hoje é considerado o melhor álbum da banda! É difícil se ver hoje em dia um álbum de lançamento tão importante tanto na história da música como na história de uma banda como foi este; e o mais impressionante é que TODAS as músicas são igualmente importantes no álbum. É muito fácil gostar de todas as canções deste disco. Para não dizer que isso é uma opinião eminentemente pessoal, o lugar do disco nas estrelas é tão evidente no mundo da música que em junho de 2006, a publicação musical semanal NME (New Musical Express) no Reino Unido, que existe desde março de 1952, divulgou este álbum como o melhor de todos os tempos, ficando à frente do Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, em segundo, e Revolver, em terceiro, ambos dos Beatles. Eu até concordo que não seja o melhor da história, e que seu impacto não se compare aos dois citados dos Beatles, mas isso tudo só mostra a grandeza do álbum, que deve ser conhecido, reconhecido e eternizado. Enfim, este álbum por si só torna o Oasis uma banda imortal! O mundo do Rock é mais rico depois de Definitely Maybe! Escrevi tudo isto porque este disco merecia ser registrado, merecia uma dedicação exclusiva; outro motivo é que, para aqueles que conhecem o Oasis por Wonderwall, Don't go away, Don't look back in anger e Stand by me, há algo fantástico a ser descoberto e que veio antes de todas estas, e que colocou o Oasis num mundo altamente condecorado, com louvores não quantificáveis. Até a próxima! (PS: Desculpe por algum erro ortográfico no texto... O tempo para revisão simplesmente não existe! hehe)